Crítica

Antes de comandar as aventuras de Gandalf, Frodo e companhia na trilogia O Senhor dos Anéis, Peter Jackson era um cineasta que trabalhava com orçamentos pequenos e com roteiros cheios de humor negro. Por causa de produções como Fome Animal (1992) e, principalmente, Almas Gêmeas (1994), o diretor deu o pulo do gato e começou a trabalhar com grandes astros e orçamentos maiores ainda. Sua primeira chance em Hollywood foi com Os Espíritos, um começo com pé esquerdo em matéria de sucesso e crítica, mas um acerto em como misturar bem suspense e comédia em uma mesma história.

Após o acidente que matou sua mulher, Frank Bannister (Michael J. Fox) ganha o poder de ver e conversar com fantasmas. Aproveitando-se da situação, Frank transforma-se em uma espécie de caça-fantasma fajuto, usando dois espíritos para assombrar casas para, depois, tirá-los de lá com um tipo de exorcismo falso. Quando Frank visita a casa pseudo-mal-assombrada da doutora Lucy Lynskey (Trini Alvarado), ele nota algo estranho na testa do marido dela, Ray (Peter Dobson): um número entalhado que ninguém mais consegue ver exceto ele. Para surpresa de todos, após este encontro, Ray acaba morrendo. E não apenas ele, como vários outros habitantes da cidade, sempre apresentando o funesto número na testa que apenas Frank consegue enxergar. Investigando a fundo o caso, o farsante caça-fantasma acaba virando o único que pode deter o espírito que percorre a cidade com uma foice nas mãos e uma longa capa preta. Contudo, o fato de ele estar sempre na cena dos crimes começa a atrair a atenção das autoridades de uma forma nada auspiciosa para Frank.

Na época de lançamento, em 1996, Os Espíritos não teve a resposta esperada do público, rendendo pouco menos de US$ 30 milhões, mesmo valor de seu orçamento. Mesmo que números nada tenham a ver com a qualidade final do longa-metragem, esta é uma marca que acabou atrapalhando a possibilidade de mais pessoas assistirem a esse belo exemplar de suspense cômico. A trama envolve o suficiente tanto em suas cenas com humor negro quanto em suas levadas de suspense. A figura do espírito assassino, que lembra a representação clássica da Morte, é um achado, e causa impacto sempre que aparece. Ponto para os efeitos especiais da empresa de Jackson, a Weta Digital, que ainda engatinhava naquela época. Foi necessária a compra de mais computadores para a criação de cenas de Os Espíritos que, posteriormente, ajudaram nos efeitos de O Senhor dos Anéis.

O próprio Peter Jackson afirma, nos extras do DVD de Os Espíritos, que só foi possível pensar em adaptar a obra de Tolkien para o cinema depois da realização da comédia sobrenatural. Ou seja, só por isso o filme já teria razão de existir. Mas a produção tem muitos méritos próprios, a começar pela escolha do elenco. Michael J. Fox acerta o tom de Frank Bannister, conseguindo mostrar a angústia de seu personagem em tentar acabar com a ameaça que aterroriza a cidade. A verdade é que Frank nem se importaria tanto com isso, não fosse a semelhança entre as mortes e o acidente que vitimou sua mulher. Estando sempre presente no momento que os infelizes batem as botas, o caça-fantasma acaba virando o principal suspeito destes bizarros eventos - na ótica do estranho agente do FBI, Milton Banners (Jeffrey Combs, excelente). O ator é um dos destaques do elenco, com sua performance exagerada e cheia de maneirismos.

Com um poder de síntese muito maior do que seus filmes posteriores, Jackson consegue contar a história de forma satisfatória em apenas 110 minutos. Se formos levar em conta o tempo e o dinheiro que ele precisou para contar a saga de O Senhor dos Anéis, King Kong e a nova trilogia O Hobbit, Os Espíritos acaba parecendo um curta-metragem de orçamento baixo. Um filme pouco assistido, mas que merecia uma nova chance.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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