Crítica

Em O Vento Sabe que Eu Volto à Casa, o documentarista chileno José Luis Torres Leiva acompanha seu colega de profissão Ignácio Agüero em sua busca pelo passado. Ele procura intérpretes para seu primeiro filme de ficção: uma história de amor verídica, que uniu duas pessoas de povoados inimigos. Esse casal desapareceu, reza a lenda, sem deixar vestígios. Para encontrar figuras que pudessem dar vida a esses papéis, Agüero parte para ilhas ermas chilenas, testando alunos e alunas de colégios e, principalmente, conversando com pessoas da localidade para entender o ódio que existia no passado entre o povo de Tráfego e San Francisco. Enquanto no primeiro distrito viviam mestiços, no segundo apenas nativos indígenas. Hoje, a animosidade entre o povo é bem menor. Mas guarda resquícios nas histórias que antigos moradores de lá contam ao curioso Ignácio Agüero neste documentário interessante, quase um filme dentro de outro.

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Entrevistador talentoso, Agüero parte para a região e conhece moradores que passam a contar histórias interessantes sobre suas trajetórias. Rostos marcados pelo tempo, pessoas que deixaram tudo para trás pela manutenção da família, lares despedaçados pela perda de parentes, a solidão de uma velhice no interior. Isso e muito mais é observado pelo cineasta, que demonstra atenção ímpar para cada detalhe dessas histórias. Um documentário como O Vento Sabe que Eu Volto à Casa guarda seus mais preciosos tesouros em seus depoentes. Sorte ou talento, eles aparecem aos montes durante os 100 minutos de duração do filme.

Embora não seja uma metragem muito longa, era possível aparar algumas arestas, visto que, em certos momentos, o documentário parece andar em círculos, repetindo algumas ideias de forma desnecessária. Felizmente, sempre que a trama chega perto de perder o espectador, surge outra figura curiosa contando fatos que retomam nossa atenção. Histórias como a da mulher que abandonou sua família para viver com o homem que ama; ou a velhinha simpática que vive sozinha e tem seu próprio código de conduta; ou o homem que testemunhou seu tio ressuscitar um dia depois de ter “morrido”; ou a mãe que tem dificuldade em lembrar do nome dos filhos e da ordem em que eles nasceram. Todas cativantes. José Luis Torres Leiva consegue fazer com que sua equipe seja praticamente invisível, deixando seus depoentes muito à vontade e contribuindo com uma aura muito naturalista.

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Muito bem fotografado, O Vento Sabe que Eu Volto à Casa não só apresenta histórias pessoais, como também nos dá um bom apanhado da situação vivida pelo povo chileno naquelas ilhas. Embora o ódio não seja o mesmo do passado, ainda existem resquícios daquele sentimento, até pela separação espacial vigente – uns morando em Tráfego, outros em San Francisco. A participação de alunos de colégios parece ser uma forma utilizada pela produção do documentário para despertar na juventude a ideia de que tal apartheid é deveras anacrônico. Em vez de colocar isso de forma professoral aqueles jovens, uma história de amor proibida serve melhor para tal intento.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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