Crítica

John Huston é um dos grandes nomes do cinema norte-americano. Vencedor de 2 Oscars, é pai da atriz Anjelica Huston (50%, 2011) e do ator Danny Huston (X-Men Origens: Wolverine, 2009) e responsável por filmes clássicos, como O Falcão Maltês / Relíquia Macabra (1941), O Tesouro de Sierra Madre (1948) e Uma Aventura na África (1951), entre tantos outros. Estes são destaques públicos e notórios. Mas algo que pouca gente já reconheceu é que Huston é responsável, também, pelo surgimento de um dos maiores ícones do cinema mundial: Marilyn Monroe. Isso porque antes dela estourar em filmes como O Pecado Mora ao Lado (1955) e Quanto mais quente melhor (1959), foi ele que ofereceu a ela um pequeno papel no suspense O Segredo das Jóias, uma obra talvez menor dentro das filmografias da estrela ainda em ascensão ou mesmo do diretor, mas que guarda méritos suficientes para justificar um olhar mais detalhado.

O Segredo das Jóias é um noir clássico, belissimamente filmado em preto e branco e com uma trilha sonora dramática e intensa. O roteiro, escrito pelo próprio Huston em parceria com Ben Maddow (o mesmo de O Passado não Perdoa, 1960, com Audrey Hepburn e Burt Lancaster), é baseado no livro de W.R. Burnett e narra um assalto que tem tudo para dar certo, e que, mesmo assim, resulta em uma série de erros improváveis, um atrás do outro. Doc Riedenschneider (Sam Jaffe, em um desempenho indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante) é um experiente vigarista que acabou de sair da prisão. Durante todo o tempo em que esteve atrás das grades foi aperfeiçoando um golpe aparentemente infalível: roubar uma pequena fortuna desviada da justiça e, obviamente, não declarada. Quando o dinheiro tivesse desaparecido, ninguém poderia reclamar por ele, uma vez que o mesmo oficialmente não existe. Mas para que o plano funcione será preciso convocar alguns reforços, como um capanga que faça o trabalho pesado (Sterling Hayden, visto tempos depois em O Poderoso Chefão, 1972) e um financiador disposto a investir no projeto (Louis Calhern, indicado ao Oscar no ano seguinte por Nobre e Rebelde, 1951).

É justamente neste ponto que as coisas começam a dar errado. Emmerich, o rico golpista, na verdade está à beira da bancarrota e leva uma vida de aparências, sustentando uma mulher adoentada e uma amante muito mais jovem (quem mais se não Marilyn Monroe?). Ele vê no roubo a possibilidade de se recuperar, e, por isso, contrata sem que os demais saibam um outro malandro, visando pegar tudo que for afanado para si próprio. É claro que uma desconfiança irá levar a outra, e como estamos falando de um grupo de foras-da-lei profissionais, nenhum deles será enganado facilmente. Impressiona perceber a habilidade narrativa do realizador, que desliza por todos os ambientes – a casa do milionário fajuto, o local de apostas ilegais, a rotina do brutamontes que desperta paixões numa ingênua Jean Hagen (que apenas três anos depois seria indicada ao Oscar por outro clássico inesquecível, o musical Cantando na Chuva, 1953), e até mesmo a avoada garota que sonha passar as férias em Cuba com o senhor que a sustenta, sem ter a menor noção do que acontece ao seu redor.

Premiado no Festival de Veneza (melhor ator para Sam Jaffe) e no National Board of Review (melhor diretor para), O Segredo das Jóias recebeu ainda quatro indicações ao Oscar (concorreu também como Direção, Roteiro e Fotografia). Envolvente e vibrante, é triste constatar que hoje em dia esse trabalho primoroso permaneça relevante somente pela quase insignificante participação de Marilyn Monroe. O tempo total da diva em cena não deve ultrapassar os 10 minutos, mas eles são mais do que suficientes para comprovar seu magnetismo e poder de atração. Mesmo tão ausente, ela concentra em suas mãos o destino dos homens próximos a ela, dando início a uma sina que se repetiria em muitos dos seus trabalhos seguintes. É bem provável que na percepção de muitos dos espectadores da época tenha sido aqui que o mito nasceu, e ela não poderia ter escolhido melhor berço para a conquista do mundo que iria empreender nos próximos anos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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