Crítica

Eddy (Benoît Poelvoorde, de 3 Corações, 2014) é um pilantra recém saído da prisão que não tem onde cair morto. A única pessoa em todo o mundo que tem um pouco de consideração por ele é Osman (Roschdy Zem, de Para Poucos, 2010), colega de tantos golpes furados que lhe oferece abrigo neste “retorno” do amigo à sociedade. Este, no entanto, está preocupado com a esposa, internada em um hospital com uma grave doença, e a filha pequena, a quem precisa tomar conta. Está decidido, portanto, a se endireitar. Mas o velho colega, apesar das boas intenções, não acredita que possa se livrar tão facilmente de velhos hábitos. E assim acaba pensando um plano tão inusitado quanto absurdo: sequestrar o corpo de ninguém menos do que Charles Chaplin, recém falecido e enterrado na vizinha Suíça. Esta premissa, inacreditavelmente baseada em fatos reais, compõe a ação do irregular O Preço da Fama, um filme que desperta mais interesse por seus méritos individuais do que pelo resultado que entrega.

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Com basicamente três personagens em cena – Eddy, Osman e a jovem Samira, interpretada pela novata Séli Gmach – O Preço da Fama encontra sua força nas relações que se formam dentro deste pequeno núcleo. Osman e Samira precisam descobrir um novo modo de conduzirem suas vidas enquanto pai e filha com a ausência da esposa e mãe (participação especial da atriz e diretora libanesa Nadine Labaki, a mesma de E Agora Onde Vamos?, 2011). Se ambos deixam transmitir suas carências nesse trato forçado diário, será a partir da chegada do forasteiro que uma outra dinâmica irá se impor, mais pueril e lúdica. Eddy é o palhaço, o irresponsável, o que vive na fantasia e se recusa a ouvir o chamado da realidade – justamente onde está a atenção do antigo parceiro, obrigado a se adaptar a esta nova condição.

Os dois são bandidos de pequenos furtos, por isso nunca teriam coragem de levar adiante a ideia de raptar uma pessoa – viva, é claro. Por isso que aquele que nada tem a perder consegue convencer o companheiro de sua proposta – afinal, que mal poderiam fazer a alguém que já está morto? Mas como são praticamente amadores, mesmo conseguindo por um incrível golpe de sorte praticar o roubo do cemitério, como farão para que o resgate seja pago? Tal dinheiro seria suficiente para cobrir as despesas médicas de um e dar um rumo para a vida do outro, mas são tão inaptos na condução da empreitada que até mesmo o advogado da família de Chaplin (Peter Coyote, de E.T.: O Extraterrestre, 1982) percebe que um desenlace aqui não será tão simples. Afinal, são dos mais desastrados de onde pode-se esperar as atitudes mais improváveis.

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O universo chapliniano é evocado tanto pelas personalidades atrapalhadas dos protagonistas – que lembram o saudoso vagabundo Carlitos – como na presença da criança entre eles (vide O Garoto, 1921), passando pelo próprio ambiente circense (O Circo, 1928), que se manifesta através da trapezista vivida por Chiara Mastroianni. Ela pode representar uma alternativa ao instinto contraventor de Eddy e o início de uma busca dele rumo ao seu verdadeiro eu. Mas o diretor e roteirista Xavier Beauvois (Homens e Deuses, 2010) não acredita em respostas fáceis e intervenções deus ex-machina. Seu pé está fincado no chão, e por mais alucinada que possa parecer essa trama, os envolvidos terão que pagar o preço por seus atos, sejam eles cotidianos ou surreais. E assim termina por entregar ao público uma comédia agridoce, que surpreende pela proposta, mas acaba por resvalar no terreno comum da redenção de última hora. Faz-se, assim, mais crível, mas também distante da magia tão perseguida pelo artista que recebe uma homenagem apenas pela metade, pois mostra que sonhos nem sempre se realizam.

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