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Sinopse
O Jogo da Viúva: Agosto de 2017. O corpo de um homem esfaqueado sete vezes é encontrado num parque de estacionamento em Valência, Espanha, e tudo aponta para um crime passional. O departamento de homicídios da cidade, liderado por uma inspetora veterana, lança-se numa corrida contra o tempo. True crime.
Crítica
É curioso como determinadas histórias reais se impõem ao audiovisual. Algumas surgem praticamente prontas e que, por si só, dispensariam retoques ficcionais. Outras, ainda que tenham chocado o noticiário, impõem desafio distinto: o de encontrar o que ainda não foi dito. O Jogo da Viúva, de Carlos Sedes, encara a primeira situação: dramatizar caso que ganhou grande repercussão na Espanha, o de María Jesús Moreno. Num cenário em que se conhece o enredo com poucos cliques, restaria aos realizadores cavar mais fundo na mente da acusada? Trazer novos olhares sobre suas vítimas? Ou reinventar os enquadramentos da narrativa criminal para além do que já foi reportado? Ao que tudo indica, entre os seis roteiristas envolvidos na empreitada, essa decisão nunca chegou a ser unânime.
Na trama, seguimos María Jesús, mais conhecida como Maje, enfermeira de classe média, manipuladora e sedutora, que utilizava o casamento como ferramenta de poder e tragédia. Ao longo de pouco mais de uma década, envolveu-se com múltiplos parceiros, articulando relações paralelas enquanto planejava meticulosamente o assassinato de um dos maridos. O que parecia vida ordinária em Valência, tornou-se, nos bastidores, jogo de traição e encenação. Ao lado de amante submisso, a criminosa arquitetou plano que culminaria no homicídio de Antonio Navarro, engenheiro e então cônjuge, em 2017. O caso a consagrou como símbolo de perversidade.
No centro da dramatização está Ivana Baquero, que muitos talvez não reconheçam de imediato, mas que fez história ao protagonizar O Labirinto do Fauno (2006). Sua presença, hoje distante das grandes vitrines do cinema internacional, revela entrega dedicada à personagem. Sua interpretação de Maje é cínica, como precisa ser, mas, às vezes, controlada demais. Há falta de magnetismo que, nesse tipo de retrato, costuma ser fundamental. A femme fatale, sempre arquétipo delicado de se manejar, aqui soa hesitante, com Baquero entregando personagem que provoca mais pela crueza do texto do que por nuances ou potência dramática. Em vez de nos atrair ou repelir com força, parece girar em círculos previsíveis.
Quando a protagonista pouco escapa do roteiro, cabe ao entorno tentar preencher os vazios. E há lampejos promissores nas atuações secundárias. Carmen Machi surge como a investigadora Eva, figura constante no encalço da suspeita, cujo pragmatismo é respiro de autenticidade. Tristán Ulloa, por sua vez, oferece sensibilidade ao retratar Salva, amante manipulado que se tornaria a maior das vítimas emocionais do jogo encenado por Maje. Ambos conseguem escapar da caricatura, criando brechas de humanidade num universo em que tudo parece controlado em demasia.
Para quem se lançar à narrativa sem consultar o material jornalístico que a antecede, o trabalho pode até oferecer algum interesse narrativo. Para os que já conhecem o escopo do caso, porém, tudo parece menos sugestivo, com a dramaturgia seguindo caminhos previsíveis, não arriscando desvios nem propondo mergulhos mais agudos em personagens-chave. A própria Maje, figura de onde se esperaria complexidade ambígua, por vezes, é tratada com suavidade desconcertante. Há, inclusive, certo risco de romantização de sua postura calculista, o que fragiliza a crítica implícita que o longa poderia propor. Ao final, a impressão é que Ivana Baquero, tal qual sua Maje, permanece contida num papel que prometia mais do que entregou. Resta ao público decidir se o jogo vale a partida.
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