Crítica

E se a fórmula da juventude não estivesse perdida pela natureza em lendas do passado, mas sim dentro de laboratórios à espera do cientista inteligente o suficiente para descobri-la? E se o responsável por essa invenção não fosse nenhum dos doutores estudiosos, e sim um dos macacos usados como cobaia? Essa é a premissa de O Inventor da Mocidade, um dos primeiros trabalhos da diva Marilyn Monroe a chamar a atenção do público mais para ela do que para a história em si. Ela ainda aparece como coadjuvante, mas seu nome foi tão badalado pela publicidade na época que acabou despertando mais interesse do que os dos verdadeiros protagonistas: Cary Grant e Ginger Rogers! E a personagem que ela defende não seria muito diferente daquele tipo que eternizaria seu nome nas telas: a loira um tanto tola que deixa qualquer homem ao seu redor simplesmente embasbacado. E quando estamos diante de uma trama em que adultos passam a agir como pequenos endiabrados, nada melhor do que ignorar uma mulher de deixar qualquer homem de queixo caído para mostrar que se trata, de fato, de uma criança.

Quando O Inventor da Mocidade foi lançado, Ginger Rogers já havia ganho o Oscar de Melhor Atriz (Kitty Foyle, 1940) e Cary Grant recebido suas duas únicas indicações como Melhor Ator (Serenata Prateada, 1941, e Apenas um coração solitário, 1944 – ele receberia um prêmio honorário décadas depois, em 1970). Ambos haviam atingido seus auges, principalmente Rogers, que com 41 anos foi a que mais sofreu com a comparação com a novata Monroe, de apenas 26. Esse trabalho foi marcante também para Marilyn pois a colocou ao lado de dois nomes que a ajudariam a construir o filme que serviu de marco inicial de sua conquista do mundo: Os Homens Preferem as Loiras, lançado no ano seguinte e no qual ela, além de novamente dividir a cena com o veterano Charles Coburn, foi mais uma vez dirigida pelo talentoso Howard Hawks. Em ambos os filmes Coburn interpreta o senhor rico que entra em apuros devido à beleza daquela jovem platinada. Aqui, no entanto, o máximo que faz é contratá-la como sua secretária, mesmo que tenha que pedir a ajuda de outros profissionais quando precisa ditar uma carta, pois ela nem mesmo sabe escrever direito. Afinal, o que importa é a forma, e não o conteúdo.

Pois este também é o tema de O Inventor da Mocidade: o que fazer com a aparência quando há ausência de recheio? Grant faz o cientista que há muito tenta desenvolver uma fórmula mágica que impeça o envelhecimento humano. Certo dia, no entanto, um dos chimpanzés do laboratório escapa de sua gaiola e, ao mexer nos preparados químicos deixados sobre a mesa, acaba criando, por acaso, uma combinação que provoca o contrário: estimula uma regressão etária, fazendo com que quem a beba passe a agir como criança. A mistura acaba indo parar no bebedouro, e assim quem a ingere não tem noção do que irá acontecer e nem por quê! E até descobrir o que está, de fato, acontecendo, somos presenteados como loucuras do galã Grant – cuja primeira atitude na nova condição é convidar Monroe para sair – e nos divertir com os modos infantis de Rogers, sua esposa, além de ver seu patrão (Coburn) pulando como um macaco em festa. Eles continuam os mesmos no exterior, mas por dentro deixaram de ser quem eram, mesmo que somente por algumas horas.

O Inventor da Mocidade é uma comédia inconsequente e bastante ingênua. Pode ser assistida sessenta anos após o seu lançamento como se tivesse sido feita ontem, pois continua mantendo a graça e o fascínio de sua trama e personagens – entendemos muito bem quando Grant e Monroe vão a uma piscina e, ao invés de observá-lo se arriscar no trampolim mais alto, todos os homens presentes preferem ficar de olho nela, que veste apenas um maiô. O filme ainda foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Atriz em Comédia (Rogers, que realmente é a que mais se solta em cena), e merece um destaque especial dentro da filmografia de uma grande estrela – Marilyn Monroe – como um dos seus papéis mais recorrentes e, mesmo assim, mais singulares. Fatal, mas nem tanto.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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