Crítica

No começo é tudo lindo. Sam e Zach estão apaixonados, moram numa bela casa e estão às vésperas do casamento. A festa é encantadora, todos se divertem, e no dia seguinte partem para uma encantadora lua-de-mel em alguma praia paradisíaca de uma ilha perdida do Terceiro Mundo. Porém, no último dia antes de voltarem para casa, os dois acabam virando vítimas de um golpe ao estilo ‘boa noite cinderela’ e levados inconscientes, por seguidores de uma seita satânica primitiva, a uma cerimônia demoníaca. Quando despertam, passadas algumas horas, estão no quarto do hotel, sem lembranças do que teria acontecido. A resposta, no entanto, só viria algumas semanas depois, quando a esposa descobre estar grávida. E a partir de então, tudo começa a ruir em O Herdeiro do Diabo, uma produção de gênero que aposta em todos os clichês possíveis na tentativa de criar algo original, mas consegue apenas reciclá-los sem muita criatividade.

Quase como uma versão atualizada do clássico O Bebê de Rosemary (1968), porém sem a menor sutileza e elegância demonstrada na obra seminal de Roman Polanski, O Herdeiro do Diabo entrega todas as suas cartas desde o princípio, deixando nada à cargo do espectador descobrir. Ou seja, trata-se de um filme de terror que não provoca o básico: sustos. E desprovido de maiores emoções, tudo que acompanhamos revela-se repetitivo e enfadonho. Mas a situação fica realmente trágica quando os diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, ambos parceiros de longa data e estreantes em um longa-metragem, resolvem investir em outras searas. Ou seja, quando o que se propunha a ser um conto de horror passa a fazer uso de elementos alheios a esse universo e que caberiam melhor em uma sequência de Poder Sem Limites (2012), com superpoderes inesperados se manifestando nos momentos mais inesperados, cria-se a dúvida sobre o que, de fato, os realizadores pretendiam com tudo isso.

A inspiração mais evidente, no entanto, é a série Atividade Paranormal. Porém, apesar do visual e do ambiente lembrarem o primeiro filme da franquia, de 2007, o resultado termina por se assemelhar com o genérico mais recente, Atividade Paranormal: Marcados Pelo Mal (2013). O que não tem explicação é deixado solto no ar; os protagonistas, até então carismáticos, se revelam sem profundidade; e o final investe contra o próprio espectador, após reviravoltas desnecessárias cujo único objetivo parece ser colocar em dúvida tudo o que fora explorado até o momento. E a partir do ponto em que se descobre não poder mais acreditar em nada, como se envolver numa trama que prefere apostar na falsidade ao invés de cativar sua audiência?

Fracasso de público até mesmo nos Estados Unidos, lugar onde longas dessa temática costumam se sair melhor, O Herdeiro do Diabo só não sairá no prejuízo por ter custado numa ninharia. Ainda assim, é uma demonstração clara do cansaço que o estilo found footage se encontra. A tal câmera no ombro a todo instante não convence, principalmente quando deixa de ser uma mania de um único personagem para se tornar um adendo de qualquer um em cena, sejam crianças brincando de esconder ou jovens no parque vizinho alheios ao que se passa. Mera desculpa para relaxar nas questões técnicas – a fotografia é relaxada e a edição parece ter sido feita às pressas, sem o menor cuidado – é equivocada até mesmo dentro do contexto da trama. Afinal, porque o fulano que vemos na primeira cena do filme está preso, se há um vídeo registrando o que tudo teria acontecido de fato?

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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