Crítica

As coisas não estão fáceis para Xavier (Romain Duris), protagonista de O Enigma Chinês. Para quem não o conhece, no entanto, é importante antes apresentá-lo. Está se falando aqui do personagem visto pela primeira vez em Albergue Espanhol (2002), quando, aos 25 anos, saiu da França natal e foi para Barcelona ampliar seus estudos e descobrir o mundo. Lá, entre os colegas com quem dividia a moradia, estava uma inglesa por quem fica atraído (Kelly Reilly), uma belga lésbica (Cécile de France) que se torna sua melhor amiga e a ex-namorada (Audrey Tautou), que surgiu em seu encalço sem aviso prévio. Essa mesma turma ele reencontrou cinco anos depois em Bonecas Russas (2005). Já na faixa dos 30 anos, os desafios a serem enfrentados eram mais sérios e com consequências mais intensas. Agora, mais uma década se passou e ele e suas três mulheres estão novamente reunidos, porém o peso do mundo está mais do que nunca em suas costas.

Vem daí, portanto, o título deste terceiro capítulo da trilogia desenvolvida pelo diretor Cédric Klapisch. Se o albergue do primeiro filme tinha uma nacionalidade muito evidente, no segundo caso a referência eram àquelas bonecas de madeira (ou porcelana) que ficam uma dentro da outra, como se não tivessem fim. É um segredo que revela outra, uma surpresa que abre espaço para a próxima, e assim por diante. Já agora acompanhamos Xavier lidando com os quebra-cabeças da vida, tentando lidar com as adversidades que se impõem constantemente diante dele com a mesma tranquilidade e bom humor de sempre. A presença de Romain Duris, um dos maiores astros do cinema francês atual, à frente do elenco, é uma garantia de qualidade. Ele consegue oferecer uma empatia única, que combina fragilidade e segurança em iguais medidas. O carisma do ator e sua versatilidade em compor os mais diversos tipos contam muito a favor da obra – não à toa, é também alter ego do diretor, estando presente em quase todos os seus filmes.

Se no filme do meio presenciamos Xavier se ajeitando com Wendy (Reilly), O Enigma Chinês tem início com o fim dessa relação. Ela, no entanto, está longe de ter sido descartável para qualquer um dos dois. Assim, quando ela avisa que está apaixonada por outro homem e que pretende deixar Paris para ir morar em Nova York, levando consigo os dois filhos do casal, não lhe sobra muitas opções senão partir junto. Ele acaba indo dormir no sofá de Isabelle (De France), aquela que vê como “um amigo do peito” – e, justamente por isso, quando ela pede seu esperma para poder engravidar, uma recusa será quase impossível. E enquanto tudo isso se desenrola, há os contatos frequentes de Martine (Tautou), que de paixonite casual virou uma grande amiga – o que não quer dizer que uma aproximação eventual possa reverter, novamente, essa situação.

Xavier está trocando de país para ficar perto dos filhos, revendo sua própria situação com os pais, decidindo qual será seu papel diante do filho não nascido que o casal de amigas lésbicas irá criar, e indeciso quanto a possibilidade de um novo – ou velho – amor. E se na França sua situação profissional estava mais ou menos estabelecida como um escritor de sucesso, nos Estados Unidos a realidade será outra. E entre um casamento arranjado para conseguir um green card e um trabalho de meio período como entregador de bicicleta, terá ainda que terminar seu próximo livro e, enfim, retomar suas atividades.

O Enigma Chinês fala de muita coisa, e através de um ponto de vista masculino que evita com eficiência o viés idiotizado ou infantilóide tão comum em Hollywood. A Nova York que apresenta está longe daquelas de cartão postal, e seus personagens possuem uma profundidade e uma relevância rara de se encontrar no cinema convencional. Repleto de momentos verdadeiramente hilários – o monólogo chinês é simplesmente impagável – e de uma humanidade singular, é um filme que estimula a reflexão ao mesmo tempo em que diverte e entretém, sem ser enfadonho ou leviano em seus argumentos. Um grande acerto, num conjunto de obras que muito provavelmente chega ao fim em seu ponto mais alto.

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