Crítica

Os militares subiram ao poder por uma razão e ficaram por outra. Uma razão que marcou duas décadas da história brasileira. Para elucidar como se deu a ascensão pela força em 1964, Camilo Tavares estreia na direção com O dia que durou 21 anos.

Roteirizado pelo ex-preso político e jornalista Flávio Tavares (pai de Camilo), o filme constrói uma narrativa cristalina e bastante didática sobre o Golpe de 64. Claro e objetivo, o texto tem as virtudes da síntese e organização. Os personagens, apresentados sem delongas, são identificados e prontamente assumem o seu papel no evento.

O pontapé inicial se dá com a figura de Lincoln Gordon. O embaixador americano no país presenciava, a uma só vez, as reformas sócio-econômicas atentarem contra o interesse das empresas americanas e o presidente João Goulart congregar as massas infladas com discursos populistas. A suposta justiça revolucionária, mote do momento, estava a um passo de se concretizar. O cenário alarmante justificava a impressão de que, cedo ou tarde, o Brasil seria catapultado a uma espécie de Cuba continental. A suspeita assombrava o imaginário americano, ocupado pela vitória de Fidel pouco antes, e alimentava a certeza americana de que o comunismo não poderia avançar.

A desconfiança aumenta quando Lyndon Johnson assumiu os Estados Unidos após o assassinato do presidente Kennedy. As ações, antes limitadas à supervisão e prevenção, passaram a ser concretas. A partir de então, o documentário começa a desenrolar o novelo de nomes, informações, fatos e influências que permitiram aos militares brasileiros garantias do apoio americano e culminaram no refúgio de Jango no Uruguai.

As imagens de arquivos são raras e muito bem utilizadas, servindo para dimensionar o momento do país. Os depoimentos variados são interessantes e bem encadeados, formando um panorama lúcido, sem demagogia ou pregação acerca dos acontecimentos. Evitar o correligionarismo sem subtrair nenhum aspecto é uma postura acertada da direção. Na sequência, o mais óbvio. O gosto pelo poder tomou conta dos generais. O prazer do comando e a manutenção da disciplina encaminharam os brasileiros aos anos de chumbo, ao que se segue e se sabe – parcialmente.

Exibido pela TV Brasil na forma de capítulos em abril de 2011, o filme chega agora como longa-metragem. Enquanto os arquivos da ditadura não são abertos e a Comissão Nacional da Verdade não diz a que veio, o Brasil reconstrói os episódios desse período sombrio ao seu modo, paulatinamente. O dia que durou 21 anos vem na esteira de documentários como Hércules 56 (Silvio Da-Rin, 2006), Cidadão Boilesen (Chaim Litewski, 2009), Utopia e Barbárie (Silvio Tendler, 2005) e Mariguella (Isa Grispum Ferraz, 2012), todos fazendo do cinema espaço para contar histórias importantes – infelizmente reais.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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