Crítica

Existem dois momentos distintos em O Céu Treme Enquanto a Terra tem Medo e os Olhos não são Irmãos, documentário/fábula criado pelo cineasta britânico Ben Rivers. Filmando no Marrocos, o diretor constrói um trabalho desigual, que só consegue mostrar a que veio em sua segunda metade, quando adquire tons de fantasia, adaptando o conto Um Episódio Distante, do escritor Paul Bowles.

No filme, acompanhamos um cineasta (Oliver Laxe) filmando na Cordilheira de Atlas, deserto do Saara marroquino. Utilizando pessoas locais como atores, em uma história não muito clara para o público, o diretor vai aumentando os desafios da filmagem paulatinamente, enquanto constrói sua obra. Certo dia, ele abandona as locações e parte em uma jornada autocontemplativa, até que é impelido a seguir um homem das redondezas que despertou sua curiosidade. É nesse momento em que ele é capturado por homens da tribo reguibat. Eles o torturam, cortam sua língua e o obrigam a vestir uma estranha roupa cheia de tampas de lata. Ele passa a ser mantido cativo e é chamado ironicamente de “rei de lata” pelos seus sequestradores. Sem saber o que fazer, ele terá de dançar conforme a música para não morrer.

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Em sua primeira metade, O Céu Treme Enquanto a Terra tem Medo e o Olhos não são Irmãos parece mais um making of de uma produção que não nos interessa. Embora seja bem fotografado, utilizando bem a locação escolhida, o momento documental se torna enfadonho pela falta de uma maior comunicação do que é visto na tela com o público. Não sabemos do que o filme se trata, ficando à deriva naqueles momentos. O que fica aparente é que todo esse preâmbulo das filmagens é uma forma de alongar a história, visto que o conto de Paul Bowles seria curto demais para ser adaptado em um longa-metragem.

O longa começa a cativar quando passa a ser uma adaptação mais fiel da obra de Bowles, embora, na versão literária, é um professor quem cai nas garras da tribo marroquina, não um cineasta. De qualquer forma, esta produção dá um salto de qualidade quando surge o “rei de lata”. Ainda as informações sobre tudo o que se dá na tela são esparsas, mas ao menos temos ciência de que algo está acontecendo com algum objetivo – mesmo que não saibamos qual é. Por se aproximar de uma fábula violenta, conseguimos nos apegar ao protagonista, enquanto ele é preparado, treinado para algo surpreendente.

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Com 96 minutos de duração, o sumo da história poderia ser contado em um média-metragem, bastando cortar as gorduras desnecessárias – leia-se, o trecho documental inicial. Abraçando sem puderes o “rei de lata” e a história magnífica de Paul Bowles, este híbrido entre ficção e documentário alcançaria resultados mais satisfatórios.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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