Crítica

Com quase um ano de atraso, chegou finalmente às telas gaúchas uma das produções latinas mais elogiadas da última temporada. E, curiosamente, O Banheiro do Papa teve parte de suas filmagens realizadas aqui mesmo no Rio Grande do Sul! E que orgulho ver um filme feito aqui perto ser tão bom. A estréia na direção do diretor de fotografia indicado ao Oscar César Charlone (Cidade de Deus), aqui em parceria com Enrique Fernández (ambos autores também do roteiro), é extremamente auspiciosa justamente por abdicar da ambição, buscando num olhar mais singelo e simples mostrar como um fato praticamente perdido no meio do nada pode falar tão alto quando atinge e repercussão exata. E, neste caso, o título escolhido não poderia ser mais propício. Não estamos falando de um banheiro qualquer, e sim de um motivado pela visita da maior autoridade cristã do planeta. Assim como o próprio longa, que parece não ter muita referência com a nossa realidade, mas, pelo contrário, atinge o feito de falar diretamente com nossas mentes e, principalmente, corações.

O premiado ator uruguaio César Trancoso intepreta Beto, um biscateiro que vive dos contrabandos que traz do Brasil para a pequena cidade de Melo, quase na fronteira do Uruguai. Com os trocados que vai juntando mal consegue ajudar em casa, cuja economia ganha ainda um reforço nas costuras da mulher (Virginia Mendez) e nos pequenos trabalhos realizados pela filha. Mas, obviamente, ele quer mudar de vida, e assim como os demais vizinhos vê na provável visita do Papa João Paulo II, em 1988, a sua cidade, uma oportunidade única. A televisão anuncia que milhares de visitantes invadirão a cidade neste determinado dia, e esta seria uma grande chance para todos rechearem os bolsos. Só que enquanto a maioria está pensando em montar barracas com comidas, Beto olha para o outro lado e decide construir um banheiro, para que possa cobrar entrada dos futuros ocupantes!

Com esta pequena parábola social, Charlone e Fernández conseguem realizar um impressionante retrato da dura condição que milhares de uruguaios enfrentam diariamente. Trata-se de um país muito pequeno, escasso de recursos naturais e com poucas empresas. Resultado? É uma nação empobrecida. E, assim, busca em qualquer eventual suspiro o milagre que tanto almejam. E o que melhor neste sentido do que a própria visita do Papa?

Elaborado de forma quase documental, O Banheiro do Papa é uma obra repleta de méritos, apesar de não ser totalmente desprovida de escorregões. E estes estão principalmente no ritmo e no desenrolar de sua trama, por vezes indecisa entre a crítica política e a análise de costumes. Da mesma forma, alguns personagens são poucos consistentes, como o melhor amigo do protagonista e o policial de fronteira corrupto. Alguns eventos parecem isolados demais, como se ali estivessem apenas para atrapalhar o destino do nosso herói atrapalhado. Mas são pormenores diante um cenário muito mais rico e curioso. A capacidade de comunicação que o filme possui é impressionante, e de imediato passamos a nos identificar com as agruras, os azares e os erros que conduzem esta série de acontecimentos que, mesmo não tendo como darem certo, mexem com nossos nervos de modo bastante singular. Estamos conscientes desde o início de como será o final, mas somos envolvidos de tal forma que será impossível não torcer, também, por uma intervenção divina.

Grande vencedor da disputa latina do Festival de Gramado de 2007, O Banheiro do Papa recebeu 5 kikitos, entre eles os de Melhor Filme segundo o Júri Popular, Ator e Atriz. Foi premiado também nos festivais espanhóis de Huelva, Lleida e San Sebástian, além da Mostra Internacional de São Paulo. E foi escolhido como representante oficial do Uruguai na disputa pela indicação ao Oscar na categoria de Melhor Filme em Língua Estrangeira. Não conseguiu, assim como o brasileiro O Ano em que meus Pais saíram de Férias, mas da mesma forma que este, comove sem ser melodramático, emociona sem abusar dos clichês e consegue, a partir do drama de um indivíduo, discutir toda uma questão social. E acreditem: isso não é pouca coisa!

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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