Crítica

Ele é fraco e inseguro. Ela é bonita e talentosa. Promissora, a cantora (Simone Spoladore) precisa impulsionar a carreira. Com um casamento fracassado, o agente (Lourenço Mutarelli) precisa reconstruir a vida. As pessoas são alavancas.

Natimorto, primeiro filme do diretor Paulo Machline, é uma adaptação do livro homônimo de Lourenço Mutarelli (autor de O Cheiro do Ralo, 2006), que pelas escolhas da direção e do roteiro de Andre Pinho conservam muito do gênero original na obra cinematográfica. O drama psicológico conta com um narrador onisciente clássico, que articula a passagem do tempo, sugere flashbacks e reconstitui momentos ilustrativos. O desenvolvimento dos personagens se dá igualmente mais pela construção verbal do que visual, o que não minimiza a eficiente direção de arte de Adriana Tada. Filmar literatura tende a falhar tanto quando romancear um filme. Porém a fórmula encontrada mescla com sucesso os gêneros e nos convence de que não há outra forma de contar o enredo sem subvertê-lo.

Mutarelli e Spoladore são forças opostas que precisam coabitar. Enquanto ele representa o impulso de morte, ela é o impulso de vida. Ambos se encontram, se procuram e se rechaçam. Criação e destruição; expectativa e frustração; libido e arrefecimento. O destino, passível de interpretação, lhes parece um caos e uma dádiva, por isso o encaram de forma tão diferente. Ele quer protegê-la e a envolve com a experiência. Como as parábolas, suas histórias têm sentidos que guiam e revelam. Ela, por sua vez, se encanta com a possibilidade dos acontecimentos terem sentidos e, talvez, de um amor. É um alívio pensar que não estamos sozinhos, que o sofrimento e a solidão possam ser compartilhados. Mas ainda que se confundam, o objetivo da morte e da vida são distintos. Com medo de perder as oportunidades, ela preza a liberdade; com medo de perder o pouco que tem, ele preza a renúncia. Você parece confuso, sentencia a atriz frente às frases contraditórios do seu agente. É para o universo de uma mente confusa que o filme nos arrasta.

As poucas locações – restritas basicamente à casa do agente e ao quarto do hotel – e a preferência por planos fechados contribuem para proporcionar o clima claustrofóbico e incômodo a assolar os personagens. As atuações de Spoladore e Mutarelli também merecem menção. A atriz tem em sua personagem o grande desafio de sua carreira até o momento. A mudança de postura dos primeiros dois atos para o desfecho é realizada com qualidade, deixando transparecer a gradativa virulência sofrida diante da relação. Em alguns momentos parece que lhe falta naturalidade no espaço de encenação, alternando momentos de uma postura natural com outras de visível tensão. Cabe a Mutarelli, porém, o objetivo de orquestrar a narrativa. Pertencem ao ator as frases e os momentos centrais do filme. A fisionomia frágil assenta bem ao papel e sua técnica, ainda que por vezes limitada, dá conta do pretendido.

Por duas ou três vezes, a cantora desata o lenço do pescoço enquanto escuta uma das histórias do agente. Natimorto é sufocante.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
avatar

Últimos artigos deWillian Silveira (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *