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Sinopse
Mountainhead: Um grupo de quatro amigos milionários se encontram durante uma crise econômica global. Eles viajam para um lugar remoto e gelado. Mas os magnatas da tecnologia fecham um pacto mortal: o dissidente do grupo deve desaparecer para sempre. Drama.
Crítica
Certa vez, alguém disse que a verdade é mais estranha do que a ficção, pois a ficção precisa parecer possível. Pode ter sido Mark Twain, Robert McKee ou até Aristóteles. O que importa é que nenhum deles testemunhou o tipo de realidade em que Mountainhead está imerso. Hoje, quatro magnatas da tecnologia podem, com pouco esforço, alterar os rumos do mundo como se movessem peças num tabuleiro privado. Provocar abalos é fácil; difícil é assumir o papel de conquistadores, como nos tempos imperiais. E não é que, neste caso, aquilo que imaginamos estar restrito à criação artística começa a se infiltrar, disfarçadamente, no que chamamos de vida real?
Neste universo, Jesse Armstrong, criador de Succession (2018-2023), resgata o tom ácido de sua obra-prima e insere o ingrediente da sátira cômica ao retratar um retiro entre os fundadores de megacorporações de redes sociais e, principalmente, IAs. Randall (Steve Carell), Souper (Jason Schwartzman), Venis (Cory Michael Smith) e Jeff (Ramy Youssef) compartilham refeições, jogos e risadas em mansão encravada na neve. Conversam como velhos amigos num fim de semana prolongado, enquanto o colapso civilizacional se insinua pelas frestas.
Armstrong é hábil ao retratar o presente como distopia informal, onde os diálogos entre os personagens soam absurdos e, justamente por isso, autênticos. Frases como “o presidente da França morreu, isso é ruim, pessoal” e “não, se preocupem, já circula uma onda de internautas que preferia que ele estivesse morto mesmo” não destoam do tom que impera no noticiário e que pode ser comprovado ao tirar o celular do bolso. A lógica da destruição como resposta ao caos se impõe com naturalidade, e o plano de adquirir países em colapso, tratados como ativos especulativos, embora grotesco, torna-se crível diante de cenário em que a verdade se dobra à performance e à manipulação dos algoritmos.
O enredo é quase como um jornal do avesso, no qual os conquistadores do presente ensaiam discursos disfarçados de inovação, enquanto a retórica da liberdade irrestrita adquire verniz sedutor ao ser conduzida por figuras que, apesar do carisma, trazem no olhar o traço inconfundível da indiferença sociopata. A crítica não se esconde, tampouco poupa comparações. Um CEO que cruza os braços diante da proliferação de discursos extremistas não é novidade, soa, na realidade, desconfortavelmente familiar. Coincidência? Dificilmente, pois trata-se de sociedade em que o perigo já não se encobre e sabemos os nomes de quem dá as cartas.
Mesmo ao flertar com o exagero, Armstrong dosa com inteligência os desvios necessários para escapar do panfleto, como burrices propositais de alguns personagens. Não há grandes revelações, mas há ecos que, se ouvidos com atenção, oferecem peças de um quebra-cabeça que está sendo montado diante dos nossos olhos. Mountainhead não traz soluções, mas sugere que a chave do futuro talvez esteja escondida entre as ruínas do presente. E quem tiver olhos para ver, que veja os monstros que estamos alimentando. Criaturas essas que são capazes de comer a si próprias e que já conhecíamos desde A Rede Social (2010).
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