Crítica

Grande é o número de pessoas, incluindo mulheres, que acreditam que a onda feminista que tem crescido no mundo nos últimos anos não passa de um monte de garotas gritando frases de efeito. Fazer ecoar hinos de empoderamento e frases que expressam indignação com as políticas públicas e até com coisas ditas da tradição do mundo são parte da batalha. Talvez repetindo várias vezes, quem reclama dos gritos pare de fazer pouco caso e comece a pensar no que está sendo dito. Uma dessas frases ganhou repercussão e estampou camisetas usadas por funcionárias da Rede Globo após a denúncia de assédio sexual da figurinista Sú Tonani contra o ator José Mayer. Não parece ter sido à toa que a cineasta Sandra Werneck escolheu Mexeu Com Uma Mexeu Com Todas para ser o título de seu documentário.

A diretora já havia se dedicado aos dramas femininos no ótimo Meninas (2006) e na ficção Sonhos Roubados (2009), que tinham como foco principal jovens em situação de risco. Agora, Sandra Werneck optou por mostrar que em todas as idades, classes sociais e ambientes de trabalho a violência contra a mulher está presente. Suas entrevistadas possuem histórias diferentes, mas o que as torna próximas é a impunidade de seus agressores e a busca por um novo caminho após anos de silêncio e até de isolamento.

Duas delas tiveram seus casos acompanhados de perto pela mídia. A nadadora Joanna Maranhão, que hoje dá nome a um projeto de lei importante para quem sofreu abusos na infância, e a modelo Luiza Brunet, agredida pelo marido após um desentendimento em um restaurante. A presença delas em Mexeu Com Uma Mexeu Com Todas é necessária para que, quem ainda acredita que agressores são homens pobres e com baixa escolaridade, descubra a triste realidade de que não se pode prever quando nem onde as mulheres estão vulneráveis.

Clarah Averbuck, a escritora gaúcha que escolheu São Paulo para viver, foi estuprada em uma festa num bairro nobre de Porto Alegre. A professora Aline Matiaz Azevedo teve a casa invadida por um moto taxista que ela havia visto uma única vez e passou anos se culpando por ter sido vítima de estupro depois de ter ouvido um delegado dizer que o crime aconteceu porque ela abriu a porta de pijama. Werneck deixa claro que, seja bebendo champanhe ou andando de bicicleta, toda mulher sente medo e até quem deveria se mostrar solidário julga de maneira machista. Maria da Penha, que dá nome a principal lei de proteção às mulheres, estava dormindo quando levou um tiro do marido. A culpa é da vítima? Alguns juízes diriam que sim.

Ao colocar as participantes frente a frente para trocarem experiências, o filme reforça seu nome. Tão importante quanto denunciar é apoiar a vítima, atitude incomum para mulheres que foram criadas à sombra do machismo. A roupa que vestimos, o horário que saímos e até a profissão que escolhemos são julgadas por outras mulheres, também vítimas de opressões. Mexeu Com Uma Mexeu Com Todas quer mostrar que sem união não há como dar um passo à frente rumo a igualdade. Continuaremos ganhando menos enquanto mulheres sentirem medo de propor mudanças na empresa comandada por um homem. Nos sentiremos culpadas pela cantada na rua enquanto outras mulheres nos olharem de cima abaixo e colocarem a culpa no comprimento de nossas saias. Até quem tem um companheiro carinhoso e nunca foi vítima de agressão precisa unir-se ao coro das frases de efeito e, o principal, das atitudes de sororidade, que nada mais é do que a ajuda entre mulheres.

Mexeu Com Uma Mexeu Com Todas fotografa suas personagens com a mesma luz, apesar dos cenários serem diversos. Isso porque Sandra Werneck sabe que seja num amplo apartamento ou numa casa humilde, a violência pode acontecer e mesmo a mais informada das mulheres pode se calar. Se frases de efeito ainda são o que resume o feminismo para o leitor desta crítica, aí vai mais uma: unidas somos mais fortes.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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