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Sinopse

Walt está apaixonado por um imigrante mexicano que está ilegalmente em seu país. O problema é que o rapaz, além de não estar nenhum pouco interessado em Walt, nem ao menos fala o mesmo idioma. Além disso, o próprio Walt não sabe se realmente gosta de Johnny ou apenas o deseja fisicamente.

Crítica

Longa de estreia de Gus Van Sant, Mala Noche é também um dos seus trabalhos mais autorais e despojados. Sem o refinamento que iria desenvolver nos anos seguintes, aqui ele se apresenta de forma desnuda, sem amarras ou maiores cuidados, abraçando sem pudores temas potencialmente polêmicos, mas de um modo tão familiar e natural que os mesmos acabam perdendo esse viés controverso para se apresentarem de braços abertos, introduzindo o espectador em um mundo ainda carente deste tipo de olhar independente e experimental. Duas características que estão marcadas do começo ao fim deste trabalho.

Antes dele, Van Sant havia dirigido apenas um curta-metragem (The Discipline of D.E., 1982). Ou seja, a experiência poderia ser escassa, mas a vontade era enorme. Afinal, foram quatro anos de desenvolvimento até Mala Noche chegar às telas. Filmado em preto e branco, com uma câmera frenética e uma montagem que permite poucos respiros, o filme tem uma urgência bastante diferenciada do cinema ao qual nos acostumamos a ver naquela década. O visual é cru, das ruas, lembrando em muito o estilo fílmico mais frequente em Hollywood quinze ou vinte anos atrás. Tanto é que em mais de um momento chegamos a nos perguntar se não se trata de uma trama de época. Alguns poucos elementos – os cortes de cabelo, os figurinos – no entanto, acabam denunciando sua contemporaneidade.

Mala Noche tem porquê deste nome. Noite Má, em tradução literal do espanhol, se passa quase que inteiramente nas ruas de Los Angeles. O foco, no entanto, está na fixação que o protagonista, Walt (Tim Streeter), desenvolve por jovens rapazes latinos. Balconista em uma tabacaria, ele acaba se aproximando de dois imigrantes mexicanos ilegais, Johnny (Doug Cooeyate) e Roberto Pepper (Ray Monge) – estes, aliás, se tornariam presenças recorrentes em filmes futuros do cineasta, aparecendo em títulos como Drugstore Cowboy (1989) e Elefante (2003), entre outros. Walt está apaixonado por Johnny, que não quer saber de intimidades com o “maricas”. Quem acaba indo parar na cama do protagonista, no entanto, é Pepper. Tudo acontece meio que ao acaso, e não há espaço para ciúmes ou declarações de amor. O que temos é desejo, tesão e obsessões. Cada um ao seu modo.

Johnny, lá pelas tantas, desaparece, e a relação entre Walt e Pepper se aprofunda. Mas os dois não foram feitos um para o outro. Van Sant joga os seus personagens na tela, deixando suas interações quase que ao sabor do vento. Seja pelas ruas sujas da cidade grande, entre bêbados, vagabundos e desempregados, ou na vastidão do campo em estradas sem fim, eles parecem estar sempre se movendo, porém sem irem a lugar algum. Os estrangeiros são os dominantes nas relações, mas suas necessidades são mais urgentes – o que comer, onde dormir. Já o gay – um tipo que o cineasta, homossexual assumido, voltaria a dar evidência e de modo mais elaborado nos aclamados Garotos de Programa (1991) e Milk: A Voz da Igualdade (2008) – soa como um solitário, sem guetos ou clichês ao seu redor. É um personagem primário, desprovido de desdobramentos, e é difícil se identificar com ele. A estranheza, portanto, faz parte da engenharia proposta pelo enredo.

Gus Van Sant demonstra estar menos preocupado com a ação e mais com as figuras que coloca em cena em Mala Noche. Esse interesse parece ser um forte do cineasta, que se debruçaria nos anos seguintes a observar com maior cuidado as histórias de Will Hunting, Kurt Cobain e Harvey Milk, por exemplo. Há um visível carinho em relação a eles, e mesmo os desgarrados aqui presentes buscam justificar a atenção recebida – seja por seus atos ou mesmo através de tropeços dos quais se levantam com dificuldades. Assumidamente fetichista, este é um filme-exercício, que sobrevive até hoje como uma curiosidade pontual em uma carreira que até hoje é repleta de altos e baixos, muitos deles passiveis de interpretação em estado bruto já neste passo inicial.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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