A Chefinha

12 ANOS 109 minutos
Direção:
Título original: Little
Ano: 0417
País de origem: EUA

Crítica

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Sinopse

Uma empresária tirana acorda num belo dia novamente com 13 anos. Com a ajuda de uma colega de trabalho, ela vai tentar se adaptar à novidade, encontrando uma lição valiosa ao longo dessa experiência muito louca.

Crítica

É simples identificar a que “família” pertence A Chefinha. Isso porque o cinema está repleto de filmes protagonizados por pessoas que acumulam lições importantes sobre si próprias ou acerca dos demais ao terem seus corpos inexplicavelmente modificados – ou mesmo ao inconcebivelmente trocarem de carcaça com alguém. Em Sexta-Feira Muito Louca (2003), mãe a filha são obrigadas por força de algo insondável a literalmente experienciarem a rotina uma da outra. Princípio semelhante ao de Se eu Fosse Você (2006), no qual tanto homem quanto mulher completam uma jornada de aprendizado após vivenciarem na pele o cotidiano do cônjuge. Mas, este longa-metragem de Tina Gordon tem um parentesco ainda mais evidente com Quero Ser Grande (1998), embora inverta a lógica deste ao focar-se numa protagonista que inexplicavelmente volta a ser criança. Jordan (Regina Hall) é a autoritária proprietária de uma empresa de tecnologia. Mimada, irascível, praticamente insuportável, espezinha os funcionários e os assedia moralmente, pouco se lixando para quem está ao seu redor. Mas isso muda drasticamente quando ela acorda novamente com 13 anos de idade.

Basta ter assistido a qualquer uma das produções supracitadas para saber exatamente como A Chefinha progride. A nova condição pré-adolescente, na qual a Jordan é vivida por Marsai Martin, permite que ela veja o mundo de uma perspectiva insólita. Sim, pois até na volta ao colégio da infância ela consegue sobressair, principalmente por ter maturidade adulta, posterior a um histórico de vexames escolares. Essa previsibilidade, que também atinge a trajetória simultânea de desenvolvimento de April (Issa Rae), a assistente da patroa que ganha voz gradativamente, é dirimida pelo trabalho excelente de Marsai Martin. Ela é um verdadeiro achado que dá conta, com folgas, de sustentar esse comportamento adulto demarcado por incorreções e impetuosidades. Justamente por conta desse desempenho destacável da jovem atriz, o conjunto não acaba numa vala bastante comum. Pois, de resto, já vimos exatamente esse filme, com pouquíssimas variações. Pena que a espirituosidade prevalente em alguns instantes não seja uma constante, mas configure breves exceções.

Na medida em que April precisa assumir responsabilidades, deixando assim de acomodar-se numa posição de passividade, Jordan começa a entender a necessidade de ser gentil, de cultivar laços. Esse aprimoramento paralelo acontece de forma bem episódica. A menina enfrenta os desafios da escola enquanto a mulher encara os contratempos por assumir uma equipe pressionada pelo prazo apertado que é consagrado ao cliente de estilo exagerado. O mundo de A Chefinha é deliberadamente artificial, fruto de uma caricatura daqueles ambientes facilmente associados a empresas de tecnologia que supostamente prezam pelo conforto dos funcionários. Mas, como vemos nessa comédia leve, ora inofensiva, ora carismática em decorrência dos brios do elenco, não basta mesas de pingue-pongue, espaços abertos, cafeterias ao alcance da mão, especialmente quando as pessoas no comando são tiranas mal disfarçadas. Mas, Tina Gordon passa longe de qualquer densidade, permanecendo num terreno seguro, já bastante explorado, que ela revisita sem grandes riscos.

A Chefinha vale realmente pela composição de Marsai Martin, atriz que merecidamente ganhou diversos prêmios por esse trabalho e que, do alto de seus 14 anos, é considerada uma produtora executiva promissora nos Estados Unidos. Pena que a igualmente talentosa Issa Rae tenha seu papel debilitado no decurso da trama, sobretudo em virtude da dificuldade do roteiro de equilibrar devidamente as duas trajetórias de crescimento convergente. April fica mais tempo demonstrando desejo por homens atraentes ao seu gosto do que encontrando ferramentas para efetivamente ter reconhecida a sua capacidade profissional. Ao telegrafar cada desdobramento dos conflitos, Tina Gordon deflagra apenas uma vontade de fazer sua cópia desses filmes de troca/mudança de corpos, sem tantos temperos que poderiam conferir personalidade ao resultado. A displicência caracteriza dinâmicas centrais, vide a amizade com os invisíveis da escola, apresentada de modo burocrático, resolvida de um jeito não menos esquemático. Uma lástima, pois material artístico não faltava a um êxito menos banal. E olho em Marsai Martin. A garota deve dar o que falar nessa padronizada Hollywood.

Marcelo Müller

Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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