Crítica

Nem sempre o Oscar concede seu prêmio de Melhor Filme à obra que queremos ver como vencedora. Em boa parte das ocasiões, na verdade, a Academia consagra uma produção que poderia até ter ficado fora da cerimônia. No entanto, independentemente de nossa torcida por outro indicado, é possível ficar satisfeito com as decisões da premiação quando um filme excepcional sai agraciado. O Oscar de 1980 foi um exemplo disso. Em um ano que contava com o poderosíssimo Apocalypse Now (1979) entre os indicados, o drama familiar Kramer vs. Kramer foi quem saiu por cima. Mas mesmo que a realização de Francis Ford Coppola fosse a melhor, há de se admitir que Robert Benton concebeu uma obra maravilhosa, à sua própria maneira.

Com roteiro escrito pelo próprio diretor, a partir do livro de Avery Corman, Kramer vs. Kramer inicia quando Joanna Kramer (Meryl Streep) decide abandonar seu marido, Ted (Dustin Hoffman), após anos de um casamento infeliz - já que ele dá mais atenção ao trabalho do que à própria família, e seu filho, Billy (Justin Henry). Assim, Ted fica responsável por todas as tarefas domésticas e, sobretudo, por cuidar do garoto, algo difícil inicialmente graças ao distanciamento entre eles, à rotina do trabalho e à saudade que o menino sente da mãe. Aos poucos os dois se entendem, mas quando isso finalmente acontece Joanna retorna e dá início a uma disputa pela custódia de Billy.

Em Kramer vs. Kramer os relacionamentos entre os personagens são o mais importante, de forma que as motivações de todos e os sentimentos que eles têm precisam ficar sempre muito bem estabelecidos ao longo da narrativa. Olhando o início do filme, por exemplo, é possível entender um pouco o lado de Joana, pois Ted fica mais tempo que o necessário no trabalho. Mais tarde, vê-se o desconforto entre pai e filho, na cena em que eles tentam fazer café da manhã pela primeira vez, resultando num pequeno desastre, indício ainda da falta que ambos sentem de Joanna, peça imprescindível naquele ambiente familiar. Aliás, a passagem propicia uma rima visual belíssima com determinada cena do terceiro ato.

Robert Benton desenvolve, gradativamente, de maneira orgânica e sutil, a proximidade entre os remanescentes. Nas primeiras manhãs em que estão sozinhos, é curioso notar caminhões tirando o lixo da rua, algo que reflete o modo como eles se sentem sem Joanna, como se estivessem passando por uma espécie de reciclagem emocional. E se inicialmente vemos um Ted impaciente e um Billy um tanto desrespeitoso (como quando desafia o pai comendo uma colher de sorvete sem permissão), mais tarde o amor entre eles fica claro, em virtude da dinâmica que passam a ter, evidenciada pelo ótimo design de produção, que inclui desenhos de Billy nas paredes outrora vazias do apartamento e fotos do menino no escritório de Ted.

Mas é claro que as excelentes atuações do elenco são essenciais para que Kramer vs. Kramer seja tão interessante do ponto de vista dramático. Excepcional em como encarna a transformação de Ted, de homem distante a pai afetuoso e responsável, Dustin Hoffman mostra uma segurança invejável, que explica muito porque ele é considerado um dos melhores atores de sua geração. A química dele com Justin Henry é nada menos do que perfeita para exibir o crescimento do amor entre seus personagens. Henry, por sua vez, interpreta Billy com uma naturalidade impressionante, tornando-o uma figura vulnerável e graciosa. Já Meryl Streep traz grande sensibilidade a Joanna, que poderia muito bem ser tratada como vilã. Contudo, é um alívio o roteiro a encarar como uma mulher que fez o que precisava fazer para se reconstruir e voltar ao filho com mais segurança.

Levando tudo isso em conta, é bacana que o filme não tome partido no momento da disputa judicial. Natural que alguns personagens, como a vizinha Margaret (vivida pela talentosa Jane Alexander), e o próprio público fiquem do lado do pai, já que a relação dele com Billy ganha foco e cresce durante a história. Mas o carinho existente entre Joana e o filho é tão grande que é preciso apenas uma cena para mostrar como eles se importam um com o outro, o emocionante reencontro numa praça. Além disso, a disputa em si é a prova definitiva de que Billy é a razão de viver de seus pais, considerando que vemos verdadeiros golpes baixos desferidos, mostrando que vale tudo para vencer o caso.

Kramer vs. Kramer é uma obra que encontra força em sua delicadeza, nos personagens, e emociona com naturalidade. Pode até não ter sido o melhor entre os indicados daquele Oscar, mas sem dúvida era um dos melhores, portanto o prêmio ao menos ficou em boas mãos.

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é crítico de cinema, formado em Produção Audiovisual na ULBRA, membro da SBBC (Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos) e editor do blog Brazilian Movie Guy (www.brazilianmovieguy.blogspot.com.br). Cinema, livros, quadrinhos e séries tomam boa parte da sua rotina.
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