
Crítica
Leitores
Sinopse
Homem com H conta a história de Ney Matogrosso. Desde os embates com o pai, ainda criança, ao estrelato na vida adulta. Anos depois de sair de casa, já morando em São Paulo, estreou como vocalista dos Secos e Molhados, dando início às performances históricas que o definiram como um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos.
Crítica
Esmir Filho talvez seja uma das vozes mais ativas do cinema queer brasileiro contemporâneo. Justamente por isso, a expectativa em relação a sua abordagem sobre a jornada de um dos maiores nomes da música popular brasileira, figura transgressora e libertária, era imensa. Em Homem com H, no entanto, o diretor não apenas leva às telas a trajetória de Ney Matogrosso, mas o faz sem esquecer do indivíduo que se esconde além do ícone celebrado por multidões. Assim, não apenas oferece um olhar voltado a quem o está conhecendo agora, como também se mantém atento aos que de sua arte há muito desfrutam. E no meio disso, consegue abrir espaço para algo inédito, revelando vislumbres sobre o que pensa e as motivações que instigam a pessoa, por vezes distante da imagem que muitos se habituaram a consumir. Eis, portanto, uma aproximação inteligente, que ganha ainda mais pontos a partir de uma performance absurdamente avassaladora de Jesuíta Barbosa como o protagonista.
Assim como todo projeto do gênero que se preze, Homem com H também apresenta, lá pelas tantas, um videoclipe de rápidas cenas que confirma o estrelato do biografado. Porém, logo após imagens de capas de revistas, perseguições de fãs e apresentações em estádios lotados, viagens e deslumbres de todos os tipos, a sequência imediatamente seguinte mostra Ney em seu apartamento, sozinho, lutando para desentupir uma pia suja. A montagem é eficaz e deixa claro: apesar da fama, ainda há nele um ser complexo e com os mesmos problemas e inquietações de antes, tal qual qualquer um na audiência. Dos enfrentamentos paternos – a expulsão de casa, a busca por uma carreira militar, os frequentes refúgios do colo da mãe, o pai que precisa entender um filho tão diferente de si, um jovem tendo que aceitar ser cada vez mais semelhante ao patriarca – aos primeiros amores, sejam homens ou mulheres, aos poucos Ney vai deixando de ser Souza Pereira para se assumir como Matogrosso, aquele que muitos imaginam conhecer, mas poucos dele de fato se aproximaram.
Ha duas grandes figuras definidoras da personalidade do artista. Primeiro o pai, guiado por uma angústia sofrida e calada, interrompida apenas em explosões pontuais, vivido por Rômulo Braga. Este é a origem, responsável por sua formação, contra quem o rapaz se revoltou e que sempre esteve presente, seja como exemplo do que não fazer, seja como espelho do que acabou se tornando. Depois vem o seu mais notório romance, o também cantor e músico Cazuza (a revelação Jullio Reis). O amor livre, entre homens e mulheres, ameaça por vezes uma representação conformada e contida, como a vista em Bohemian Rhapsody (2018), que tentou emplacar um Freddie Mercury mais bissexual do que propriamente gay. Felizmente, Esmir Filho evita essa armadilha. A partir do momento em que Ney e Cazuza se conhecem, se torna evidente uma conexão forte entre eles, mais do que mera paixão de ocasião. Marco de Maria (Bruno Montaleone, bastante à vontade) pode ter sido seu marido e companheiro mais duradouro, mas é com o intérprete de “Pro Dia Nascer Feliz” que as faíscas estouravam. As dinâmicas entre eles são orgânicas, estabelecendo em duas ou três trocas um comportamento que marcou aquela geração, sem didatismo ou panfletagem.
Sem se ocupar de uma narrativa linear – por mais que dela faça uso, inclusive pontuando a passagem do tempo por meio de datas e cidades – Homem com H vai além da mera consulta descritiva, recusando-se a ser apenas um tópico da Wikipedia. Há uma energia pulsante reunida, tanto pelo elenco, como nos bastidores. Jesuíta Barbosa oferece uma das composições mais complexas de sua filmografia, explorando uma expressão corporal que nunca se dá por satisfeita para ilustrar um tipo em constante evolução, confrontando tanto a si, como a todos ao seu redor. Ele fala pelo olhar, sempre intenso e profundo, e por meio de canções escolhidas a dedo e fundamentais para pontuar o andar de sua história. Abordando com delicadeza as mortes e partidas de sua vida, o tanto de adeus que se viu obrigado a dizer, ao mesmo tempo em que permanecia firme e forte, a despeito de todas as evidências contrárias, também não perde tempo pontuando conquistas suadas, sucessos efêmeros ou vitórias de importância momentânea, mas que com o passar do tempo tendem a esmaecer. A importância de Ney Matogrosso nunca esteve em debate. A questão, enfim, parte desta investigação sobre o homem por trás da máscara. Uma resposta que não é fácil, não para o público, muito menos para o artista.
PAPO DE CINEMA NO YOUTUBE
E que tal dar uma conferida no nosso canal? Assim, você não perde nenhuma discussão sobre novos filmes, clássicos, séries e festivais!


Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)
- Caos e Destruição - 28 de abril de 2025
- Homem com H - 28 de abril de 2025
- 12.12: O Dia - 26 de abril de 2025
Deixe um comentário