Crítica

Festivais de cinema temáticos geralmente transitam entre dois extremos: a falta de títulos relevantes para uma mostra rígida e digna do seu interesse ou o excesso de obras que acabam sendo selecionadas mais pelos elementos em comum do que pela qualidade que possuem (ou não). O norte-americano Hellbenders, escrito e dirigido por J. T. Petty a partir de uma graphic novel do próprio realizador, tanto poderia constar num caso como noutro. Afinal, sua história possui um argumento curioso, o elenco é composto por nomes de destaque e o diretor é dono de alguma experiência no gênero. Por outro lado, a indecisão da trama entre apostar no terror exagerado ou investir numa comédia escrachada termina por provocar uma impressão equivocada, que não está alinhada com as expectativas apresentadas.

A premissa já desperta a atenção. Os protagonistas são membros de uma igreja nada ortodoxa, a Ordem dos Santos da Fronteira do Inferno, na região do Brooklin, Nova York. A proposta que pregam é que, uma vez que lidam com ameaças muito piores do que aquelas naturalmente divulgadas pelo Vaticano, seus métodos devem estar adequados aos perigos que enfrentam. É preciso conhecer o mal para poder vencê-lo. É por isso que seus membros praticam regularmente todos os sete pecados capitais, e mais alguns, se possível lhes for. É claro que isso não é visto com bons olhos, nem pela comunidade que os cerca, muito menos por eventuais superiores de outras congregações. Mas quando o pior se aproxima, somente aqueles habituados a encará-lo diariamente é que terão as melhores condições para derrotá-lo.

E a ameaça irá se concretizar através de um demônio preso no corpo de uma criança com retardo mental por mais de duas décadas. Após praticarem uma sessão de exorcismo, os agentes da Ordem não conseguirão despachar para o Inferno o espírito maléfico, que passará a se apossar de qualquer desavisado que cruzar pelo seu caminho. Livre, o diabo terá um único objetivo: instaurar o caos e dominar o mundo, levando todos a uma nova era das trevas. E entre ataques e ameaças, serão justamente aqueles mais desacreditados os únicos capazes de enfrentar o perigo de frente.

A trama de Hellbenders lembra bastante a de Os Caça-Fantasmas 2 (1989), só que ao invés de cientistas temos religiosos, e no lugar de aparições fantasmagóricas a ameaça vem de espíritos do mal. Outro fator que o aproxima desse clássico dos anos 1980 é a constante alternância entre humor e terror, tornando-o um exemplo do estilo terrir. Clifton Collins Jr., de Star Trek (2009) e Parker (2013), carrega com competência a responsabilidade de liderar o elenco, ao contrário do que é visto em Clancy Brown (Cowboys & Aliens, 2011), que se contenta em ser um sub-Donald Sutherland desbocado, ou Dan Fogler (Uma Noite Mais Que Louca, 2011), que se restringe ao clichê do gordo desorientado.

Mas se há um problema evidente em Hellbenders é a mão pesada do diretor J. T. Petty, que se demonstra indeciso sobre qual caminho trilhar. Ele quer chocar, mas também provocar graça, ao mesmo tempo em que busca agradar os apreciadores do sobrenatural. Ou seja, reza para tantos santos que termina por não contentar nenhum. Ainda assim, é um filme curioso, que deverá entreter o admirador menos exigente e em busca de algo não tão rígido mas, ainda assim, preocupado em ir além do já esperado.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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