Gloria!

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Sinopse

Gloria! se passa em Veneza, no início dos anos 1800. Teres é uma jovem muda e solitária que vive no Instituto Sant’Ignazio, um orfanato e conservatório em decadência. Com a iminente visita do novo Papa, o mestre da capela se esforça para compor uma nova peça musical. No entanto, é Teresa que, ao descobrir um piano-forte esquecido, inicia uma revolução musical. Drama/História.

Crítica

Selecionado para a mostra competitiva do 74o Festival Internacional de Cinema de Berlim – a popular Berlinale – Gloria! deixou um gosto agridoce no público presente na capital alemã. E isso se deve mais ao resultado apresentado pela cineasta Margherita Vicario e menos por suas pretensões, que partem de um curioso episódio verídico um tanto esquecido pelos livros de História, mas de importante resgate para os dias de hoje. A jovem cineasta italiana se propõe a contar uma fábula feminista de forte inspiração musical, por mais que demonstre temer se inserir nesse gênero. Ou seja, tem-se um monte de “quases” em sua realização: quase musical, quase histórico, quase relevante. É lamentável perceber como acaba falhando em praticamente todas estas intenções.

Vicario é não só atriz, mas também uma estrela da música pop no seu país de origem. Gloria! é sua estreia em longa-metragem – havia dirigido apenas um curta antes – não só como diretora, mas também como roteirista. Seu histórico enquanto intérprete também é tímido: o único trabalho de maior repercussão internacional havia sido uma participação em Para Roma, Com Amor (2012), de Woody Allen, além de ter aparecido em seriados, minisséries, novelas e projetos para o cinema de menor destaque. Agora, no entanto, se lança como realizadora com uma trama ambiciosa, de época, ambientada na região de Veneza do início do século XIX. É lá, em um orfanato destinado a servir de abrigo para garotas que, por um motivo ou outro, “desonraram suas famílias” e, portanto, não possuem mais a quem recorrer, que mora Teresa (Galatéa Bellugi, de O Sabor da Vida, 2023), uma jovem muda cujo passado as demais desconhecem e, por isso mesmo, dela pouco se aproximam.

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Teresa não é diferente das demais apenas por sua mudez – algo que logo será entendido mais como uma decisão pessoal e menos como uma incapacidade – mas também pelo impressionante ouvido musical que possui. Tudo que lhe chega pela audição se transforma em música. O início já demonstra isso por meio de uma sequência que começa instigante, mas não alcança a curiosidade almejada – tarefas banais, como lavar roupas, varrer o quintal ou cuidar de crianças se transforma em uma sinfonia na cabeça da protagonista. Esse envolvimento, porém, é particular, e não chega a envolver quem do mesmo espaço compartilha. Portanto, do seu jeito terá que enfrentar o padre corrupto e castrador, a concorrência de outras meninas que não a entendem e até a severa vigilância daquela responsável por impor ordem em sua rotina. Mas a situação piora quando fica evidente envolver um filho bastardo e a futura visita do Papa, algo que todos da região tanto temem quanto anseiam em igual proporção.

Como se percebe, a matéria com a qual Vicario lida é a mesmo de muitas das produções com as quais esteve envolvida no seu passado como atriz: novelesca, rocambolesca, exagerada, beirando cruzar a fronteira entre o crível e o absurdo a todo instante. Há passagens problemáticas, como quando uma das internas tenta se suicidar por não se ver correspondida por um eventual pretendente – prefere “morrer de amor”, como chega a afirmar – ou o relacionamento homossexual do pároco com um galanteador muito mais novo que o enrola visando explorá-lo em tudo que pode. Mas nada é mais constrangedor do que o desfecho proposto – por demais fabular e até mesmo flertando com a comédia pastelão em mais de um momento – que termina por enterrar qualquer possibilidade da visão histórica ser levada minimamente a sério. Glória! está rodeado das melhores intenções. Faltou apenas ter no comando alguém que soubesse o que fazer com os elementos aqui reunidos.

Filme visto durante o 74o Festival de Berlim, em fevereiro de 2024

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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