Crítica

Em um bairro carente do sul da França, a assistente social Geronimo (Céline Sallette) tenta manter a disciplina do grupo de jovens pelo qual é responsável. Sua tarefa se torna ainda mais complicada quando Nil (Nailia Harzoune), uma jovem de origem turca, abandona a cerimônia de seu casamento arranjado para fugir com Lucky (David Murgia), um rapaz de origem cigana. O ato de rebeldia do casal faz com que os dois grupos entrem em guerra, afetando o cotidiano de toda a comunidade.

A clássica história do romance impossível entre membros de famílias rivais é a fonte de inspiração do cineasta franco-argelino Tony Gatlif em Geronimo, mais precisamente a adaptação da tragédia de Romeu e Julieta realizada em Amor, Sublime Amor (1961). Escolha que faz total sentido dentro da obra do diretor, pois o longa de Robert Wise possui os elementos que mais lhe são caros: os conflitos étnicos e a música.

O filme não chega a ser um musical de fato, mas a musicalidade está presente de maneira intensa em toda a projeção. Gatlif encena os embates entre as gangues como números de dança, utilizando o movimento dos corpos e a trilha sonora – que mescla ritmos tradicionais dos dois povos com o eletrônico e o hip hop modernos – para criar uma tensão crescente, na qual a violência se encontra em ponto de ebulição, explodindo no ato final. Esta opção proporciona cenas visualmente poderosas, como a dança da cigana sobre o caixão ou toda a batalha do bar.

O sangue quente de turcos e ciganos, intensificado pelo calor escaldante do verão francês, determina o tom urgente do longa. Urgência presente desde a cena de abertura, em que Nil, ainda vestida de noiva, corre ao encontro de seu amante para depois saírem acelerando em uma moto. A câmera trepidante de Gatlif tenta traduzir os sentimentos de uma juventude inquieta, impaciente e em fuga constante. Uma geração em busca de uma linguagem própria, exemplificada na cena em que um dos jovens utiliza o grafite para criar um afresco particular.

O problema é que o cineasta pesa a mão em diversos momentos, fazendo com que a urgência desande para a histeria. Muito disso se deve ao elenco coadjuvante formado por atores pouco experientes ou não profissionais. Se a intenção era transmitir realismo e naturalidade, o efeito acaba sendo o inverso, gerando uma teatralidade excessiva que beira a caricatura. Outra questão é a frágil linha narrativa que liga as cenas musicais e de dança, parecendo sempre prestes a se romper. Os jovens sob os cuidados de Geronimo, por exemplo, são deixados totalmente de lado, retornando apenas nos minutos finais.

Até mesmo a viagem de reencontro com as raízes, tema recorrente nos filmes anteriores do diretor, como Exílios (2004) – que lhe valeu o Prêmio de Direção em Cannes – é trabalhada de forma problemática aqui. O casal em fuga tenta em vão viajar para a Espanha, na busca pelo povoado dos antepassados de Lucky. Enquanto Geronimo também busca refúgio em suas raízes espanholas, representadas pelo restaurante de seu pai (Sergi López). A existência nômade em constante movimento dos ciganos tem papel fundamental no cinema de Gatlif, mas aqui os personagens parecem se movimentar apenas em círculos, sem sair do lugar. Seja o líder da gangue turca vagando pelas fábricas abandonadas ou as idas e vindas de Geronimo em seu carro.

Se o cineasta parece perdido, como a geração que procura retratar, ao menos ele possui uma bússola pra lhe guiar: a intérprete de sua personagem principal. Do mesmo modo que Geronimo assume a responsabilidade de tentar conciliar os grupos rivais, evitar a eminente tragédia e proporcionar um futuro para as crianças de seu bairro, Céline Sallete toma o filme para si, se tornando o catalisador dos dramas e entregando uma atuação repleta de nuances, ao transitar pelos mais diversos sentimentos com sutileza. Um contraponto total ao exagero de praticamente todo o resto do elenco. Assim como o chefe apache que, gritando o próprio nome, se atirou de um penhasco para salvar sua vida, Céline Sallete se joga de corpo e alma para criar sua Geronimo. E é por sua entrega que o filme finalmente encontra um rumo.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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