Crítica

Futuro Junho não traz revelações sobre o futuro, e poderia ter o título substituído por uma interrogação. O novo documentário de Maria Augusta Ramos, diretora de Desi (2000), Juízo (2007) e Morro dos Prazeres (2013), trata de ser uma investigação antropológica acerca da efervescência que tomou conta do Brasil em 2014. Para quem olha de longe, vale lembrar que o país passava por um momento delicado, em que se sentia os reveses de uma bolha de crescimento que já não se sustentava, com aumento dos índices de inflação e de desemprego, fatores gravemente associados à indignação pública diante de uma série de casos de corrupção no governo.

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O documentário situa-se, portanto, em um momento nevrálgico da história brasileira. Depois de um período fértil, de forte crescimento econômico e da confiança nacional, Futuro Junho instala-se em um momento de crise na maior e mais importante cidade do país, São Paulo, a poucas semanas da Copa do Mundo, evento que dividiu opiniões. A fim de dar o tom para o que propõe, a diretora leva a câmera para dar voltas na cidade antes de nos apresentar aos protagonistas. Assim, molda um clima que, se não hostil, pelo menos denuncia uma inquietude latente, evidentemente acentuada por ser composta através do barulho dos carros e das grandes aglomerações urbanas, como o centro da capital paulista.

Aos poucos, o foco se torna mais preciso. Deixamos a visão macro para direcionar o olhar ao cotidiano de quatro pessoas: Alex, o motoboy; André, o operador de mercado financeiro; o sindicalista; o montador de uma fábrica de automóveis. Faço questão de preservar o artigo frente aos nomes e distinções, porque parece ser esse o caminho - nitidamente pensado em um viés de classes - que a estrutura do documentário gostaria de marcar. Apesar da suposta passividade e discrição com que a câmera acompanha os personagens, o resultado da edição apresenta comparações claras, que dão sentido à narrativa sem que esta se preocupe em pronunciar qualquer palavra, pois quando você acompanha o rosto cansado de Alex para, em seguida, apresentar a aparência preservada - apesar de estressada - de André, não há como evitar o discurso das imagens. Dizer que todo discurso é ideológico é uma obviedade, assim como apontar as diferenças sociais presentes no Brasil não é nada novo.

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Por vezes, simular a imparcialidade acaba por transparecer ainda mais o seu ponto de vista. Limitado pela escolha pontual de seus personagens e tendo por único filtro a escolha das imagens na ilha de edição, Futuro Junho tem um recorte que por um lado não questiona e por outro não responde, algo preocupante para qualquer documentário de caráter social.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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