Fire Supply

Crítica


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Sinopse

Em Fire Supply, por que os podcasts têm limites? Uma pessoa que ama mais a mãe do que o pai e deseja criar gelo ou aço. Ou talvez até possuir um cemitério, para que sua mãe não sofra por causa de ninguém. Pessoas comuns vivendo num mundo líquido. Comédia.

Crítica

Que calor é esse que precisa ser abastecido de forma constante, tal qual apontado pelo título do longa da realizadora argentina Lucia Seles? Essa, provavelmente, é a maior das tantas dúvidas que a cineasta não hesita em entregar ao espectador, revelando preocupação zero em respondê-las. Nem mesmo apontar para um caminho que possa indicar possíveis esclarecimentos faz parte do seu menu de interesses. O que busca é provocar estranheza, desconforto, incômodo. O espectador que é colocado diante deste cinema rapidamente se dará conta de estar frente a algo que foge ao convencional, ao mesmo tempo em que estará se desenvolvendo de maneira assustadoramente resoluta, como se fosse o mais banal dos acontecimentos. Fire Supply provoca na mesma medida em que se conforma com a fórmula que se mostra tão grato por ter feito uso. O início pode ser tortuoso. Mas uma vez assimilado, a repetição dos mesmos elementos é que passará a reinar. E do igual ao anterior o que restará é uma inquietação vazia, que não chega a alcançar os feitos lá no início anunciados.

Os personagens criados e expostos por Seles se relacionam por meio de chaves distintas daquelas vistas na maioria das histórias, seja na ficção ou mesmo na vida cotidiana. São pessoas inseguras, que temem a surpresa, que precisam confirmar a todo instante o que sentem e o que lhes é prometido. Desconhecem ao certo seus lugares nesse mundo inóspito, ainda que os acolha sem ressalvas. Não há violência ou agressões. Há apenas espaço para que transitem e interajam uns com os outros. Como que num universo à parte. Diferente daquele conhecido pela audiência. Mas também não muito distante. Essa aparente novidade, num primeiro instante, desperta curiosidade. Mas logo se confirma restrito, desprovido de maiores atrativos. É não mais do que a reiteração do estranho, como se esse fosse não mais do que normal. E uma vez habituado a tal conceito, nada de surpreendente poderá recair sobre a mesa de apostas.

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Um rapaz em companhia da mãe. Uma moça que anseia por fazer sua primeira tatuagem. Um compositor cujo maior prazer é passear de táxi. Uma senhora encantada com a quantidade de cafeterias à disposição no novo terminal de ônibus. Um jovem triste pela morte prematura de sua cachorra. Uma instrutora de tênis que acredita estar diante da aula mais importante da sua vida. Uma atendente disposta a ganhar um concurso de quem fuma melhor. Parecem seres solitários, indivíduos percorrendo trajetórias à parte das demais. Em Fire Supply, no entanto, um está ao lado do outro. Se cruzam, convivem, proporcionam trocas e dependem das reações daqueles com quem dialogam para conceber suas decisões seguintes. Seus sentimentos são imediatos, como se não houvesse segundas intenções. Quando o homem já adulto avisa ao senhor que sua mãe está interessada nele, nenhum dos dois se espanta, nem mesmo entende o recado por meio de malícias ou dissimulações. Há apenas verdades entre eles.

Não somos crianças, precisamos parar de agir como tal”, repetem a todo instante, como se fossem mais do que palavras de ordem, e, sim, lembretes dos quais não podem esquecer. A chama que os move necessita de combustível, e esse precisa ser reabastecido a todo instante. Seja por meio de um novo encontro, de uma promessa a ser cumprida, por um abraço fraterno, ou mesmo um carinho sincero. É uma utopia que se desenha, e dela se manifesta tanta vontade de se aproximar, como rejeição por suas esquinas duras, que não permitem o meio termo. Lucia Seles aponta para a inocência como meio de sobrevivência. O discurso pode ser bonito na teoria, mas na prática se revela cansativo, até mesmo tedioso em mais de uma passagem. Como se ela se demonstrasse inebriada pela realidade que propõe, e dela não se mostra mais capaz de se afastar. Fire Supply é, por fim, um alerta. Afinal, o fogo possui inegável beleza, mas quem dele por demais se aproximar, por certo acabará queimado.

Filme visto durante o 14º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, em junho de 2025

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
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Chico Fireman
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MÉDIA
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