Crítica

Existe algo de extraordinário no novo filme de Marco Berger, Havaí, que o difere dos demais dramas românticos realizados na Argentina ou em qualquer outro país no cinema recente. Não é o fato de se tratar de uma história de amor entre dois homens ou até mesmo de uma história de amor original; a qualidade singular de Havaí está no retrato do surgimento do amor a partir de uma perspectiva calma, tocante e até mesmo pueril.

Havaí explora num longo prólogo sem diálogos a situação na qual que se encontram seus dois protagonistas, que guiarão o filme até o fim. Martín procura um trabalho de verão enquanto esconde o fato de não ter um teto para morar. Eugênio escreve um romance enquanto cuida da casa dos tios e aproveita momentos de lazer e introspecção. O encontro dos dois revela uma amizade que havia ficado na infância, algumas pequenas afinidades e um mútuo interesse tão enigmático quanto irresistível.

O silêncio permeia todo o desenvolvimento de Havaí. Seus protagonistas trocam palavras de pouca relevância, porém a inquietude de ambos revela tudo o que é suprimido pela ausência de diálogos. Assim, muita da responsabilidade do êxito dos personagens recai sobre os ótimos atores Manuel Vignau e Mateo Chiarino, que em simples gestos e olhares transbordam em tensão sexual. Compassados por uma câmera lenta e voyeurística, Martín e Eugênio trocam toques furtivos e, numa admiração complacente, parecem não entender o que nasce entre eles.

A amizade crescente e as brincadeiras de infância redescobertas dão espaço para jogos mais íntimos. Determinados momentos simbólicos, como Eugênio escondido observando a nudez de Martín e este último sentindo o coração acelerado de Eugênio após uma corrida, possuem uma significância grandiosa, se considerarmos a relação velada de ambos. Marco Berger, roteirista, diretor e montador do filme, desenvolve calmamente os diferentes sentimentos que pontuam a conexão entre seus protagonistas. Ao evitar a rapidez e superficialidade que marca o início de muitas relações contemporâneas, Berger cativa seu espectador e o tenciona a torcer pelo inevitável romance entre Martín e Eugênio.

Berger possui reverenciado domínio na representação de relações amorosas, sejam elas inusitadas, como em Plano B (2009), ou impossíveis, como em Ausente (2011) – filme vencedor do prestigiado Teddy, no Festival de Berlim. Também é recorrente ao cineasta o registro da masculinidade em planos reveladores; sua fascinação por corpos masculinos é explicitada em enquadramentos de músculos, pelos, contornos e volumes. A sinceridade com que Berger se utiliza de tais recursos, totalmente justificados nas histórias que ele propõe, demonstram o talento de um realizador ímpar. Pelas características supracitadas e outras tantas, Havaí possivelmente se tornará referência não apenas entre os filmes que retratam histórias de amor homossexuais, mas também entre os filmes que retratam histórias de amor.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Graduado em Publicidade e Propaganda, coordena a Unidade de Cinema e Vídeo de Caxias do Sul, programa a Sala de Cinema Ulysses Geremia e integra a Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte.
avatar

Últimos artigos deConrado Heoli (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *