Crítica

Racismo é uma palavra cada vez mais em evidência. Em tempos de redes sociais, então, a problematização de seu significado gera intensos e calorosos debates. Afinal, todo mundo quer ocupar o espaço de fala do outro. Pois Um Limite entre Nós conversa diretamente sobre o tema com o público através das palavras de quem entende do assunto mais do que ninguém: os próprios negros. Não à toa o grande Denzel Washington dirige e estrela esta produção baseada numa peça da Broadway vencedora do Tony, o Oscar do teatro. E se o resultado pode parecer claustrofóbico pela atmosfera que realmente lembra uma montagem dos palcos, o que mais ganha o olhar do espectador é a intensidade da discussão proposta.

Aqui temos Troy (Washington), homem amargurado pela falta de oportunidades da vida. Quando jovem, era uma grande promessa do beisebol. Agora é um catador de lixo que vive em Pittsburgh com a esposa, Rose (Viola Davis, reprisando seu papel dos palcos) e seus filhos. E é neles que o homem desconta sua frustração. Seja nas palavras duras com a mulher - que sabe responder à altura - ou no trato com os rapazes. Com o mais velho, Lyons (Russell Hornsby), que quer ser o músico, a relação é áspera. Mas a principal briga é com Cory (Jovan Adepo), que está se esforçando e ganhando os holofotes para ser recrutado na universidade a fim de jogar futebol. Inveja? Frustração? Ou racismo incrustado?

Os diálogos, repetidos praticamente ipsis litteris da peça de teatro original criada em 1983, tocam a todo momento não apenas nas questões raciais externas que envolveram o homem no passado ou a família anos depois. É um debate sem rodeios sobre como o preconceito contra negros ainda existe e de forma implacável. Por vezes pela violência, noutras pela falta de oportunidade, pelo olhar destruidor de sonhos. Tudo isso acaba gerando um sentimento de culpa, de passividade, de subserviência. Como se eles não merecessem alcançar novos patamares na vida por conta das condições às quais são impostos. O que deveria ser bem o contrário, diga-se.

Porém, ainda que a direção de Washington preze demais pelo roteiro e deixe de lado uma decupagem cinematográfica mais aprofundada, a alma do filme são os personagens. Por isso, o elenco não poderia ser menos afinado do que está, especialmente por Washington e, mais ainda, Viola Davis. Se ele consegue passar do ódio à pena constantemente, ela tem uma força imbatível na tela, seja por seu olhar de grandeza perante qualquer dificuldade ou pela pronúncia amargurada das palavras. Apesar das várias premiações apontarem a atriz como coadjuvante (e ela venceu basicamente tudo), não se engane: seu papel é de protagonista ao lado do já oscarizado ator.

A grande dificuldade da obra em atingir um público maior é sua origem e a fidelidade a ela: não é cinematográfica o suficiente para fazer você esquecer que está assistindo a algo pré-concebido para outra plataforma. Por outro lado, a captura da complexidade emocional e moral de Um Limite entre Nós e a trajetória do anti-herói que nos é apresentada colocam o filme como um dos mais interessantes dos últimos anos por abordar o racismo ser recorrer a grandes períodos históricos como já feito no passado. A cerca do título original e que está presente no longa de forma física não passa de uma grande metáfora de como todos estamos rodeados por barreiras - sejam sociais, políticas ou emocionais.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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