Crítica

Baseado numa história real, Eu, Olga Hepnarová fala sobre um sentimento exasperante e limítrofe de não pertencimento ao abordar a trajetória repleta de reveses da mulher que empresta seu nome ao título. Desde muito nova, ela, aqui interpretada brilhantemente por Michalina Olszanska, teve de conviver com o desdém alheio, inclusive, e principalmente, da família. Estranha para os padrões, Olga já havia tentado o suicídio por ingestão de medicamentos quando foi internada numa instituição psiquiátrica infantojuvenil. Os diretores Petr Kazda e Tomás Weinreb se valem de uma linguagem rigorosa para delinear as alamedas tortuosas que levaram essa protagonista a transformar-se numa assassina. O preto e branco da fotografia alude aos anos comunistas da extinta Checoslováquia, hoje República Checa. As constantes elipses tratam de reforçar a predominância do quebradiço e do incompleto.

Olga possui um olhar entre o amedrontado e o raivoso, mérito do trabalho da atriz Michalina Olszanska, sem o qual o filme certamente não atingiria sua força expressiva. A estrutura do roteiro é engenhosa, pois permite aos cineastas cobrirem os eventos mais determinantes, sem utilizá-los como âncoras. Muitas vezes sobrevém uma sensação de algo estar nos escapando em meio a esse itinerário bastante singular, uma vez que as ocorrências nem sempre têm uma relação direta com suas antecessoras e sucessoras. De toda maneira, Eu, Olga Hepnarová vai se impondo como o retrato doloroso e duro de alguém que não encontra lugares para semear qualquer possibilidade de ser feliz. Seja em casa, no internato, no trabalho ou mesmo nos poucos momentos em que tenta distrai-se dessa estranheza diante de um mundo que lhe é hostil, Olga parece fadada a uma existência tão solitária quanto inclinada à tragédia.

Outro artifício do qual lançam mão Petr Kazda e Tomás Weinreb é a dinâmica peculiar entre Olga e as pessoas que fazem parte de sua vida. Embora haja figuras emblemáticas a circundando, como a mãe (talvez a mais influente delas), e a menina por quem Olga se apaixona aos trancos e barrancos, a maioria dos coadjuvantes nem é nominada. Assim como o próprio paradeiro de Olga é alterado sem aviso prévio – uma hora ela está morando em casa, noutra, sem mais aquela, já ocupa a cabana onde cultiva a solidão –, amigos ocasionais e gente de influência momentânea vêm e vão, sem cerimônias, fazendo parte de um percurso instável. Eu, Olga Hepnarová é mais pautado pela dureza decorrente da fricção proposital entre segmentos distintos que necessariamente por qualquer fluência decorrente da associação de certos instantes escolhidos para sublinhar banalmente os pontos mais introspectivos da trama.

A realização de Petr Kazda e Tomás Weinreb não é tão fácil de ser digerida, exatamente pela maneira como hierarquiza prioridades, partindo do aspecto formal. Sobretudo no inquérito subsequente ao crime e no julgamento o filme praticamente descamba para uma tese sobre os efeitos nocivos do bullying, inclusive com a protagonista verbalizando repetidamente seu amargor diante dos maus tratos que sempre sofreu nas diversas esferas. Contudo, o trabalho preciso de Michalina Olszanska dá conta de manter tudo multifacetado, mesmo que ligeiramente cansativo de ser visto. O comportamento de Olga é como o de um bicho acuado, que responde ao entorno violento na mesma medida, primeiro, negando-se a aderir às convenções sociais, e, segundo, partindo ao delito, tomando uma atitude torpe com o intuito de transformar-se num símbolo incontestável dos que padecem silenciosamente à margem.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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