Crítica

Diego de Ordaz (Xabier Coronado) é o chefe de uma expedição importante ao exército de Hernán Cortez em terras mexicanas, lá pelos idos de 1519. É um homem valente, cuja tenacidade está a serviço de uma visão essencialmente eurocêntrica. Ele e seus imediatos, Gonzalo (Martín Román) e Pedrito (Carlos Triviño), são levados pelos nativos ao pé do vulcão que terão de desafiar em busca de enxofre, elemento imprescindível aos projetos expansionistas da Espanha. Os índios os acompanham até certo ponto, por temerem a ira da natureza que se apresenta em todo o seu esplendor nas cenas plasticamente belas que abrem Epitáfio. Os três são largados à própria sorte rumo ao cume, munidos de uma determinação equivalente apenas à arrogância que, mais adiante, arrefece com os infortúnios, mas não some. Ignorando as indicações, eles decidem desbravar um caminho novo, cedendo à empáfia.

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Os diretores Yulene Olaizola e Rubén Imaz Castro fazem questão de ressaltar constantemente, sobretudo por meio da imagem, a dificuldade inerente à dura missão dos exploradores. A estrutura geológica, que já os recebe com um estrondoso sinal de atividade, impõe uma série de contratempos reais ao êxito da empreitada. Acompanhamos a subida deles por um espaço difícil, cujos desafios estão além da superfície pedregosa e escorregadia, bem como do clima desfavorável. É como se terreno oferece uma resistência simbólica à dominação estrangeira, chave que leva a história a um plano alegórico, infelizmente desenvolvido de maneira bastante superficial. Na medida em que galgam patamares em direção ao topo, Diego, Gonzalo e Pedrito são testados, física e psicologicamente, embora essa provação se instaure muito mais na ordem do banal, daquilo esclarecido trivialmente pelo visual.

A fotografia praticamente sépia apenas emula um tom idealizado de passado. Epitáfio poderia ser o registro de uma obsessão, mais precisamente a de Diego, comandante que se mantém reto, mesmo diante das situações mais complicadas. Em virtude da beleza, algumas cenas conferem respiros ao andamento da trama que, no mais das vezes, se dá por meio de reiterações desprovidas de função. A névoa que abraça os personagens como se fosse traga-los para dentro de si, de um mistério originário da sapiência da natureza, a pequenez dos aventureiros ante o gigante não totalmente adormecido e os fraquejares pontuais são momentos encarregados de amenizar a sensação de vazio que toma conta do longa-metragem. Contudo, predomina a incapacidade de transcender os aspectos ordinários, de atingir, de fato, a complexidade obviamente almejada no testemunho dessa jornada.

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Nos instantes de exceção, em que ligeiramente deslocados do esforço concreto, das adversidades oferecidas, principalmente pela neve acumulada na parte superior do vulcão – portanto, quanto mais alto, mais difícil se torna progredir –, os diretores alcançam bons resultados dramáticos, exatamente por alargarem o escopo da abordagem, por sublinharem preconceitos e a crueldade do invasor, uma violência travestida de benfeitoria. Os espanhóis se vangloriam de destroçar povoados, de esquartejar aldeias inteiras, de jogar sacerdotes dos templos, justamente por acharem que praticam o bem, seguindo as leis do Deus cristão, ao qual a própria coroa espanhola, em tese, deve obediência. Pena serem fragmentos tão esporádicos, pois os mesmos oferecem ao longa-metragem camadas de relevância histórica e narrativa.  Epitáfio é um filme repleto de boas possibilidades subaproveitadas.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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