Crítica

Em 2014, completam-se 50 anos do golpe que colocou os militares no poder. Uma data que não serve para ser comemorada, mas para ser lembrada pelos brasileiros. Histórias e mais histórias estão vindo à tona a propósito da data, de pessoas que perderam suas vidas ao lutar contra o regime, de torturas sádicas em porões da repressão que deixaram cicatrizes físicas e psicológicas nas vítimas, a censura das mídias. O cinema tem sido um interessante veículo para que estes relatos tenham espaço e sejam de conhecimento público. Em Busca de Iara é mais um título que engrossa esta lista de bons trabalhos, um documentário revelador sobre uma mulher que lutou contra a ditadura e teve um final trágico, como tantos outros militantes.

Iara Iavelberg nasceu em 1944, em rica família judia, e teve uma trajetória de vida intensa, morrendo aos 27 anos de idade, em 1971. Militante política, de uma beleza ímpar, Iara se envolveu em diversos movimentos contra a ditadura, como a Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop) e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Conheceu e se apaixonou por um dos líderes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Carlos Lamarca, de quem foi companheira até a morte. Iara faleceu durante uma operação policial e, segundo a versão oficial, teria se suicidado quando percebeu não ter mais saída. Em 2003, depois de muito lutar, a família Iavelberg conseguiu o direito de exumar o corpo para rechaçar esta versão.

E é pensando nisso que a sobrinha de Iara, Mariana Pamplona, faz uma busca pela história da tia, entrevistando amigos, ex-namorados, médicos e familiares para tentar entender o que aconteceu naqueles anos de chumbo. Mais do que clamar por justiça pela morte de Iara, os familiares da guerrilheira tinham outra ideia em mente: poder enterrá-la junto dos outros Iavelbergs. Segundo a tradição judaica, quem comete suicídio fica em local separado no cemitério. Por essas e outras era tão importante para aquela família passar aquela história a limpo.

Mariana Pamplona e o diretor Flávio Frederico se juntaram para costurar esta trama, conseguindo depoimentos ricos de figuras importantes para os movimentos revolucionários no Brasil na década de 60 e 70. A emoção fala mais alto em diversos momentos. A lembrança daquela época e a saudade de companheiros que tombaram levam muitos entrevistados às lágrimas – quando não a própria entrevistadora, que serve como narradora e personagem da história. Afinal de contas, o documentário nasce de uma vontade de Mariana colocar em pauta uma mulher que tanto a impressionou desde criança. Detalhe que a revolucionária faleceu antes de sua sobrinha ter nascido. As cartas de amor trocadas por Lamarca e Iara tiveram grande impacto naquela moça, que quis contar esta história. Ainda que Mariana seja uma personagem, a presença da equipe do documentário em diversos momentos acaba distraindo o espectador. É de se imaginar que seja um tanto libertador para o diretor poder mostrar os câmeras, os operadores de microfone e a entrevistadora. Mas quando o operador de som olha diretamente para a lente ou observamos alguém da equipe de olhos fechados durante uma entrevista, isso acaba chamando atenção demais.

Fotos e curtas-metragens dão a dimensão da época e ilustram bem o documentário. Em gestação desde 2006, Em Busca de Iara só começou a ser exibido em 2013, devido a grande pesquisa realizada pelos idealizadores do filme. Achar as pessoas que fizeram parte daquele episódio certamente não foi fácil. Em um dos momentos mais interessantes do doc, Mariana e sua equipe visitam o apartamento onde Iara teria morrido e acompanham um antigo amigo da guerrilheira mostrando como foi a ação dos militares.

Para quem procura saber mais sobre figuras de importância nos movimentos contra a ditadura, Em Busca de Iara é um bom exemplar. Segundo o documentário, teria sido ela quem ensinou a Lamarca conceitos marxistas, apresentando-o a livros e a ideais que desconhecia. Carlos Lamarca, inclusive, já foi personagem de filme de ficção, estrelado por Paulo Betti em 1994, com Carla Camuratti no papel de Iara. Betti interpretaria o revolucionário novamente em Zuzu Angel (2006), outro importante longa-metragem situado na época da Ditadura. Bons exemplares, assim como Em Busca de Iara, para o espectador entender melhor pelo que passou o Brasil nos chamados anos de chumbo.

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