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Sinopse
Em Dreams, uma adolescente experimenta um despertar sexual ao se apaixonar por sua professora. Para processar seus sentimentos, os traduz em palavras, preenchendo as páginas de seu diário com uma escrita vívida e arrebatadora. Quando sua mãe e avó são confrontadas com o texto, enxergam nele uma obra digna de publicação. Drama.
Crítica
Johanne está apaixonada. E por ninguém menos do que Johanna. A similaridade dos nomes poderia ser apenas isso, uma piada a ser repetida entre amigos, caso as duas tivessem, de fato, se tornado um casal. Mas não chega a ser esse o caso. O espanto na afirmação inicial se dá pelo fato de que o objeto de desejo da garota é ninguém menos do que sua professora. Ou nem isso, como essa irá se defender: “não tenho formação pedagógica, estava apenas como substituta temporária”. Mas isso não impede sua presença de provocar tamanho impacto na jovem. A ponto de ocupar sua rotina, suas ideias, até mesmo seus sonhos. Dreams é o terceiro capítulo de uma trilogia comandada pelo norueguês Dag Johan Haugerud que causou frisson pelo circuito de festivais na Europa. Sex (2024) ganhou o prêmio do júri ecumênico na mostra Panorama da Berlinale. Love (2024) concorreu ao Leão de Ouro em Veneza. E com o último episódio, o cineasta conquistou o Urso de Ouro como Melhor Filme em Berlim. Em comum, relações humanas e reações adversas frente às descobertas e reflexões a respeito da sexualidade humana. O mesmo debate que aqui novamente ganha espaço, porém por meio de uma abordagem tanto analítica, quanto cultural.
Ella Overbye já havia trabalhado com o mesmo diretor em Nossas Crianças (2019). Se antes ela era a faísca que dava origem a uma explosão, dessa vez a bomba está dentro de si. Johanne fala ininterruptamente sobre o que lhe está acontecendo, mas num primeiro instante não com algum familiar, esses sempre ocupados com os próprios afazeres, nem mesmo com as melhores amigas, aquelas que percebem que algo está lhe passando. Sua conversa é interna, e em última instância, com o espectador. Haugerud abusa da narração, principalmente na metade inicial da trama, para explorar as condições dessa adolescente perdida pela descoberta de um desejo que não sabia existir, e que agora que tem consciência dele, não sabe bem o que fazer. A aproximação com a professora se dá, após muita hesitação, de modo abrupto. Mas aos poucos passam a conviver. Ainda que a interpretação daqueles momentos seja diferente para uma e para outra.
A maior parte do que ocorre em cena se dá por meio de flashbacks, pelos relatos de um ou outro personagem. Pois Johanne não se contém em apenas ter vivido o sentimento, ela precisa preservá-lo, e assim, compartilhá-lo. Afinal, a memória de um pode ser esquecida, mas quando dividida entre muitos, seus elementos se eternizam. A menina, portanto, escreve. Um livro surge. E se a mãe lhe parece pragmática o bastante para não dar a devida atenção, ocupada demais para ter o tempo necessário que aquele drama exige, é na avó que encontra amparo. Essa, afinal, não só lhe parece mais aberta ao debate, como também é, por sua vez, uma escritora. O viés artístico, enfim, se manifesta. Pois a escrita que é entregue à senhora se revela tão bem elaborada que a mesma chega a esquecer de que se trata não apenas de uma experiência real, mas que a mesma teria se passado com a própria neta. Mas o quanto daquilo seria, de fato, verdade, ou mera liberdade criativa? É preciso, mais uma vez, levar adiante. E a mãe é chamada para a conversa.
A partir desse ponto Dreams se divide entre as repercussões daquele amor juvenil – teria sido abuso ou não? E se foi, quem teria sido a verdadeira abusada? Qual a parcela de culpa da escola? Ou, por outro lado, não seria apenas fruto de uma imaginação por demais abalada? – ou a possibilidade deste eventual trauma ter dado vazão a um talento até então insuspeito. E portanto, não seria a arte o bem maior, merecedor de valia e apreço? É difícil imaginar tais diálogos e reflexões encenadas em um ambiente tropical, de emoções à flor da pele e reações imediatas. Por isso mesmo, aos olhos de uma audiência ao sul do Equador, o conjunto se confirma ainda mais curioso, ao mesmo tempo distante, mas também envolvente pela diversidade de pensamentos que coloca à mesa. E se o que resta para a posteridade é a manifestação do sublime frente a uma discussão contemporânea cada vez mais rasa, divisiva e imediata, Haugerud faz sua parte ao propor, por meio de um olhar ainda virgem, um modo de se apropriar não apenas do presente, mas dos passos seguintes que poderão levar a um amanhã mais acolhedor.
Filme visto durante o 1º Festival Imovision de Cinema Europeu, em abril de 2025


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