Crítica
Leitores
Sinopse
Do Outro Lado do Pavilhão: Érica e Núbia se conhecem na prisão e criam um laço que ultrapassa as grades. Em liberdade condicional, relatam abusos, celas superlotadas e a perda da identidade feminina. Sem apoio jurídico, enfrentam uma rotina cruel com coragem e humor. Documentário.
Crítica
Talvez um dos maiores mitos cultivados pela elite seja a máxima de que a lei é para todos. Do Outro Lado do Pavilhão, de Emilia Silveira, expõe um recorte específico das camadas mais vulneráveis da sociedade que desmente essa crença. O documentário acompanha mulheres de baixa escolaridade, criadas em contextos de exclusão e privação, que, diante da falta de alternativas, acabam enredadas por sistema judiciário seletivo, que sabe exatamente a quem deseja punir. Ao expor esse labirinto desigual, a obra revela que justiça, quase sempre, é apenas mais um privilégio de classe.

Ao longo da narrativa, conhecemos Érica e Núbia, duas jovens marcadas pelo mesmo destino: cresceram em favelas cariocas sem qualquer espaço para idealizações. A falta de perspectivas as conduziu ao tráfico de drogas, muitas vezes por influência de namorados ou maridos, sem sequer compreenderem de fato a engrenagem criminosa da qual se tornaram parte. Entre o risco da rua e a promessa de ganhos ligeiramente maiores que os de um trabalho formal incapaz de sustentar filhos, mães doentes e casas precárias, elas acabaram escolhendo caminho que parecia inevitável. O filme não julga, mas expõe com clareza a máquina que empurra indivíduos ao abismo.
São elas as protagonistas de suas próprias trajetórias, e é aí que reside a força do projeto. Condenadas, passam boa parte da juventude entrando e saindo do cárcere, sem acesso a advogados ou o entendimento claro da linguagem jurídica que as sentencia. Dentro das prisões, descobrem novas formas de organização social e afetiva, criando laços que se revelam tão fundamentais quanto improváveis: “mãe de cela”, “madrinha de prisão”. Termos que podem soar estranhos, mas que representam a única rede de apoio possível em um ambiente hostil, onde a sobrevivência depende da reinvenção de vínculos. A cada depoimento, surge a percepção de que essas mulheres foram relegadas ao esquecimento.

Do Outro Lado do Pavilhão é manifesto em favor de mulheres como Érica e Núbia, que pouco dialogam com as conquistas recentes do feminismo, mas escancaram a distância que ainda precisa ser percorrida. O longa traz números alarmantes: de cada mil presas no Brasil, apenas duzentas têm defensores. São essas que conseguem penas mais brandas e até regalias dentro das casas de detenção. Mas, e as demais? As “Éricas” e “Núbias” que não tiveram incentivo, informação ou ferramentas para reivindicar seus direitos? Nesse abismo social, a produção de Emilia ergue um retrato contundente, lembrando que o sistema judiciário brasileiro continua sendo, acima de tudo, privilégio para poucos – e contra fatos, ou histórias de vida, não há argumentos.
Filme visto no Cine Ceará 2025.
Últimos artigos deVictor Hugo Furtado (Ver Tudo)
- Reynaldo Gianecchini :: Entrevista com o mestre de cerimônias do Festival de Cinema Italiano no Brasil 2025 (Exclusivo) - 31 de outubro de 2025
 - Balada de Um Jogador - 30 de outubro de 2025
 - Bom Menino - 30 de outubro de 2025
 
				
Deixe um comentário