Crítica

A violência e humilhação em ambiente escolar nunca fora tão explorada e estudada como nos últimos anos. De conversas informais a grandes ensaios psicológicos e filosóficos, passando por copiosas reportagens jornalísticas e obras literárias, o assunto foi do alerta e denuncia à banalização. Como não poderia deixar de ser, o cinema contribuiu para sua disseminação ao redor do mundo, e alguns ótimos filmes nasceram desde então, onde se pode destacar o premiado documentário Bullying (2011) e o pouco conhecido suspense belga Ben X (2007). Depois de Lúcia (2012), segundo longa-metragem do mexicano Michel Franco e vencedor da mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes, retoma o tema com tamanha profundidade e eloquência que soa como se a sétima arte não o houvesse abordado devidamente até então.

Em uma longa sequência inicial, descobrimos que a Lúcia do título não mais existe. A mãe de Alejandra e esposa de Roberto, no entanto, permanece na vida deles como um vazio que não parece evanescer – o que os fragiliza imensamente. Para se distanciarem da perda, pai e filha se mudam de Puerto Vallarta para a Cidade do México. Enquanto Roberto se adapta como chef em um restaurante, Alejandra faz alguns amigos em sua nova escola e parece estar próxima da popularidade, mas uma triste sucessão de fatos altera dramaticamente seu status entre os alunos: de novata interessante, ela passa a ser a caloura detestável.

Enquanto imagina que as ofensas vão acabar, elas pioram e fazem com que seu extremo sofrimento e humilhação se tornem corriqueiros e divertidos na escola – ninguém parece preocupado o suficiente para intervir. Alejandra permanece passiva perante todos os ataques e parece não fazer nada por ainda estar anestesiada pela recente morte de sua mãe. Enquanto seu pai se esconde embaixo das cobertas, literalmente, para se afastar da realidade, ela interioriza seus sentimentos ao ponto de não reagir a mais nada e, sem forças, sequer parece existir dentro de si mesma.

Roteirista e diretor de Depois de Lúcia, Michel Franco não demonstra apenas a intenção de denunciar a violência escolar, uma vez que esta já é amplamente debatida. Após múltiplas entrevistas com jovens que sofreram e aplicaram bullying, Franco construiu sua angustiante obra de modo a compreender a origem do problema. Com estilo aparentemente influenciado por Michael Haneke, com longas tomadas clinicamente estudadas e beneficiadas por sua mise-en-scène muitas vezes estática, o cineasta lentamente imprime uma aura de terror ao drama, tornando seu filme bastante desconfortável.

Existem momentos em Depois de Lúcia em que a única saída para a tortura infligida à protagonista, ao qual o espectador é cúmplice, é olhar para longe da tela. Não por serem particularmente explícitas ou gráficas, mas pela simples sugestão, que pode despertar emoções ainda mais opressivas – como fez Haneke em Violência Gratuita (1997 e 2007). Franco direciona seu filme para níveis quase insuportáveis de tensão e, quando parece o encaminhar para uma solução previsível, apresenta uma ideia completamente diferente – que pode ser revoltante para alguns e satisfatória para outros. O plano final do filme, igualmente ininterrupto ao de seu início, deve deixar os mais sensíveis entorpecidos na poltrona durante vários minutos além dos créditos finais.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Graduado em Publicidade e Propaganda, coordena a Unidade de Cinema e Vídeo de Caxias do Sul, programa a Sala de Cinema Ulysses Geremia e integra a Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte.
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