Crítica

Existe uma nova tradição em Hollywood, desde 2004, que lista os roteiros não produzidos que mais ganharam admiração por parte dos executivos. Chamada de The Black List, os filmes que nela figuram geralmente têm qualidades destacáveis, mas também algum ponto que o torna difícil de produzir, seja pela história, pelo orçamento ou ambos. Não raro, são tramas mais duras, com potencial para achar seu público, mas que soam como apostas arriscadas para os estúdios. Alguns exemplos de filmes que saíram desta lista negra e conseguiram o sinal verde dos chefões de Hollywood? 21 Gramas (2003), Sangue Negro (2007), Quem Quer Ser um Milionário? (2008), O Discurso do Rei (2010) e Deixa Rolar. Sim, esta comédia romântica aparentemente inofensiva e com seus clichês muito bem posicionados esteve na Black List em 2011, com o título A Many Splintered Thing (algo como Algo Muito Estilhaçado, em tradução livre). Talvez o título pouco vendável possa o ter colocado ali. Porque em matéria de história, Deixa Rolar não é muito diferente das comédias românticas que o próprio filme critica.

O roteiro é de Chris Shafer e Paul Vicknair e conta a história de um roteirista sem nome (Chris Evans) que nunca se apaixonou de verdade. Seu agente, Bryan (Anthony Mackie), arranja um novo trabalho para ele: escrever uma comédia romântica. O problema é que por falta de experiência em romances, não existe muito material com que ele possa trabalhar. Isto muda quando ele conhece uma bela mulher, também nunca nominada (Michelle Monaghan), que o encanta profundamente. O problema é que ela namora um sujeito almofadinha (Ioan Gruffudd) e está prestes a casar. O roteirista não se conforma com isso e tenta usar de seu charme para conquistar a mulher dos seus sonhos – e, de quebra, escrever um belo roteiro.

Além do protagonista, seus amigos também são roteiristas – participações de Topher Grace, Luke Wilson e Aubrey Plaza – e com isso em mente, Shafer e Vicknair tiveram chance de brincar com os clichês do gênero, colocando-os em primeiro plano logo no início da história. É um jeito esperto de tentar se distanciar da tonelada de comédias românticas derivativas que chegam aos cinemas todos os anos. O problema é que só apontar estas falhas não é o suficiente. É preciso fugir destes esquemas prontos. E, lá pelas tantas, até de forma irônica, os mesmos clichês que o roteirista de coração amargo criticava, são vividos por ele tão logo ele se apaixona. É como se os roteiristas (os verdadeiros) dissessem que não é possível fugir dos lugares-comuns quando se trata de amor. Enquanto isso, os roteiristas (os personagens) são colocados em situações que já vimos antes – como a melhor amiga apaixonada, sem o sujeito fazer ideia; ou o amigo promíscuo e engraçadinho; o amigo gay sensível.

O ponto no qual Deixa Rolar consegue realmente se destacar é na inventiva forma de colocar seu protagonista em situações diversas ao longo da trama. É estabelecido logo de início que o “herói” do filme sempre se imagina nas histórias que escuta ou nas que escreve. Portanto, se estão falando de um astronauta, vemos Chris Evans vestido como tal, vivenciando aquele momento ao lado de Michelle Monaghan. O mesmo acontece algumas vezes, com figurinos e situações diferentes, dando um colorido especial à narrativa. Evans também funciona bem como narrador e seus comentários, nem sempre polidos ou necessariamente românticos, fazem um interessante contraponto aos surrados mocinhos do gênero.

Dito tudo isso, a questão realmente imprescindível em uma comédia romântica, o que separa sucessos de fracassos, é a química do casal principal. Pode ser um filme do gênero totalmente previsível ou uma obra cheia de inventividade. Se os protagonistas não convencerem, se o público não se importar com o futuro dos dois, todo o material construído cai como um castelo de cartas. Felizmente, Deixa Rolar tem no seu casal um trunfo. O personagem de Chris Evans é um tanto cafajeste e nunca tinha se entregado a uma relação séria até então. Michelle Monaghan trai seu namorado com um sujeito que ela conheceu não faz muito tempo. Em uma visão superficial, poderíamos estar falando de pessoas horríveis, nada confiáveis. Mas existe um charme naqueles dois e na forma como contracenam um com o outro que qualquer desvio ou falha de caráter não nos deixa menos interessados no seu destino. Isso, inclusive, os aproxima de pessoas reais, de carne e osso.  O elenco de apoio simpático ajuda muito também.

Se é verdade que Deixa Rolar poderia ser mais criativo e fugir dos clichês que o filme mesmo critica, também é certo dizer que esta estreia do diretor Justin Reardon tem boas intenções e quer, no fim das contas, entreter seu público-alvo com uma história cativante. O resultado pode ser desigual, mas deve divertir os fãs do gênero. Principalmente o espectador brasileiro, que teve a chance de conferir a estreia do filme nos cinemas no final de semana do dia dos namorados, diferente dos Estados Unidos, onde a produção foi lançado diretamente em VOD (Video on Demand).

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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