De Gravata e Unha Vermelha
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Sinopse
O documentário cria uma vertigem a partir dos jeitos que cada um encontra de se respeitar na construção do próprio corpo. Pulveriza o binarismo de gênero. No mundo contemporâneo, a própria sexualidade é escolhida, é possível brincar com a roupa e a aparência vai adquirindo contornos inusitados. Dudu Bertholini, que se define como genderfucker, com seus caftans, nos guia por infinitas possibilidades de existência. Assim, são entrevistados: Rogéria, Ney Matogrosso, Laerte, Bayard, Letícia Lanz, Johnny Luxo, Walério Araújo e muitos outros.
Crítica
Ney Matogrosso. Rogéria. Laerte. Qualquer discussão que se inicie no Brasil sobre a questão de diversidade sexual e definição de gêneros envolvendo o comportamento social nos últimos 50 anos e deixar de ouvir o que tem a dizer ao menos um destes três nomes estará assumindo um grande risco de ser apontado, no mínimo, como incompleto. De Gravata e Unha Vermelha, documentário dirigido por Miriam Chnaiderman, não só conta com depoimentos reveladores desta trinca poderosa como também de muitos outros de igual quilate. Tem-se, portanto, em mãos um cenário multifacetado e interessantíssimo, com quase trinta entrevistados comentando os altos e baixos de seus processos íntimos e públicos de se assumirem externamente em sintonia com o que sentiam nos seus interiores. E o discurso, leve e envolvente, é suficiente trabalhado para capturar a atenção tanto dos mais entendidos do assunto como também dos marinheiros de primeira viagem.
Este texto começa com três exemplos bem distinto entre si: um homossexual, uma travesti e um transexual. A partir desta percepção, pode surgir a dúvida: qual é o foco, portanto, do discurso de De Gravata e Unha Vermelha? Transgressões, em uma resposta curta e rápida. Afinal, nascemos do mesmo jeito que seremos por toda a vida ou vamos nos transformando com o passar dos anos? E o quanto de coragem é preciso ter para deixar de ser aquilo que todos esperam de nós – e como o mundo nos vê – e assumir para si e para os demais aquilo que cala mais fundo em nosso âmago? A jornada pode ser irreversível e dolorosa, mas pelo que vemos aqui ninguém ousaria dizer que não é recompensadora.
Com a ajuda do estilista Dudu Bertholini, que não só colaborou com ideias, agindo como curador, como também serviu de forma de acesso à maioria dos convidados – muitos seus conhecidos pessoais – Miriam Chnaiderman, psicanalista de formação, parte das declarações da Laerte – sua primeira inspiração para o projeto – e começa a traçar um amplo retrato de como é se assumir no Brasil. Transexuais masculinos e femininos, travestis, homossexuais, homens heterossexuais que gostam de se vestir de mulher, homens homossexuais que gostam de se vestir de mulher. A grande maioria, indo no sentido do masculino para o feminino. Como lidar com essa manifestação externa, a questão da idade – assumir-se aos 20 anos é igual do que aos 50? – as dificuldades enfrentadas na infância, as zombarias e o preconceito, o afeto reprimido e o desejo escondido, as diferentes abordagens nas famílias, a transformação física ou meramente estética. Transformar-se ou apenas parecer? A libido, os modelos, os detalhes sutis de cada gênero que são explorados por quase trinta pessoas diferentes, entre famosos e anônimos, com os quais é quase impossível não se identificar.
O maior mérito de De Gravata e Unha Vermelha é justamente isso: sua extrema humanidade. Os tipos são os mais diversos, e a não ser que você more num grande centro, dificilmente irá cruzar com eles no seu cotidiano. Mas no momento em que começa a ouvir suas histórias, a impressão de estranheza se desfaz e o que vemos são pessoas como qualquer um de nós, com os mesmos medos, anseios e determinações, com pais e amantes, profissões e sonhos. Desfazer o mito é uma tarefa e tanto, executava com propriedade por quem tem respeito pelo tema e um interesse tão intenso que acaba contagiando até o espectador mais desavisado. Afinal, como é dito em cena, se a perfeição não existe, é a forma como lidamos com estas arestas fora do padrão que nos fazem tão singulares e, acima de tudo, preciosos. Este é um filme que vai além do básico “é menino ou menina?” para investigar além e com mais profundidade. Em resumo, o que importa é ser. E ponto final.
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