Crítica

Conheci Jafar Panahi durante a conferência do diretor em uma Universidade, quando da sua passagem pelo Brasil. Perguntado sobre como via o seu país naquele momento, pediu ao público o seguinte exercício: que os homens se levantassem e fossem para a esquerda, enquanto as mulheres deveriam se dirigir para a direita. Com a plateia devidamente dividida, concluiu: este é o meu Irã.

Uma das tantas vítimas da triste ironia de um país artisticamente antagônico, que produz e censura um dos cinemas mais interessantes da atualidade, Panahi impressiona pela facilidade com que extrai sua arte diretamente das dificuldades da experiência cotidiana. No encontro descrito, proporcionou, em poucos minutos, uma das imagens mais simbólicas que alguém poderia criar dentro de uma sala. Não é diferente em seu ofício. As restrições culturais e políticas do governo iraniano, antes de cercearem ou modificarem sua criação, são trampolins que impulsionam a criação.

Se em boa medida a filmografia de Panahi denuncia a estratificação e a opressão de uma parcela da sociedade, tendo em foco quem está do lado de lá da câmera – na figura da criança, em O Balão Branco (1995), e na segregação feminina, em O Círculo (2000) e Fora de Jogo (2006) – o momento de virada se dá com Isto não é um filme (2011). Após ser preso em decorrência das eleições iranianas de 2009, o diretor é proibido de filmar e deixar o país: pela primeira vez, a violência se fez sentir na própria pele.

Cortinas Fechadas segue este último momento de Panahi ao trazer à tela um homem isolado em uma casa de praia, tendo por única companhia um cachorro. O animal, ilegal pela lei islâmica, é um dos motivos que o faz tapar as janelas com cortinas escuras. Ser um dos motivos não o faz ser o único. No desenrolar da trama, um casal de desconhecido se refugia junto a ele fugindo da polícia.

Neste primeiro núcleo, o filme foca na construção de toda uma imposição do cenário de isolamento. Primeiro, o plano inicial através das grades. Depois a escuridão completa das cortinas. É sintomático perceber que a casa se faz cárcere; a praia, antes suntuosa ao fundo, desaparece da memória do personagem e do espectador, como o acostumar gradual à realidade imposta.

Em um segundo momento, o roteiro rompe o avanço tradicional da narrativa e insere a metalinguagem. A ficção transforma-se, então, em documentário a partir do momento em  que a gravação torna-se gravação da gravação; o registro, registro do registro. É um voltar-se formal a si mesmo que acompanha o isolamento humano, expresso desde o momento inicial.

Contudo, se Isto não é um filme recebeu o Urso de Prata, em Berlim, com méritos inegáveis, por ter traduzido, de forma poucas vezes vista, a situação pessoal e política de um indivíduo em elemento técnico a serviço da narrativa, o mesmo parece não se dar em Cortinas Fechadas. Aqui, longe de ser um defeito do filme, o recurso torna a estrutura mais complexa, deixando-a menos intensa, mais previsível e, portanto, mais frágil. O arranjo da narrativa não a eleva, como no filme anterior. Bem pelo contrário, estagna e evolui com dificuldades. O que não é suficiente, diga-se de passagem, para desmerecer o trabalho intenso e inventivo de um dos melhores diretores da atualidade.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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