Crítica


6

Leitores


1 voto 8

Onde Assistir

Sinopse

Depois que o imperador japonês assina a rendição do país na Segunda Guerra Mundial, uma colônia nipônica no Brasil, repleta de nacionalistas, se recusa a crer que a terra do sol nascente finalmente perdeu uma batalha.

Crítica

Existe algo que faz com que se espere muito de Corações Sujos, longa de Vicente Amorim que abriu o festival de Paulínia em 2011. Talvez o fato de ter sido baseado num livro-reportagem de Fernando Morais, com uma trama, no mínimo, curiosa. Também pesa a participação de atores muito conhecidos no Japão, onde o filme foi um sucesso de bilheteria. Por fim, os trailers sugerem qualquer coisa que parece uma grande produção de época focando a colônia nipo-brasileira. Se o longa, sem duvida grandioso, vai corresponder às expectativas, depende muito do background do espectador.

Em primeiro lugar, é preciso compreender a motivação da trama do ponto de vista japonês. Isto porque a dinâmica do roteiro depende sumamente desta empatia. O filme se passa em 1945, numa colônia japonesa do interior de São Paulo. Nesta época, o Japão tinha um imperador, tratado pela população como "filho dos deuses'. Seu direito de governo era divino e, aos japoneses, a honra não permitia uma rendição. Seu país era aquele que "jamais havia perdido uma guerra'.

Por isso, é com descrédito que a colônia nipo-brasileira recebe as notícias de que seu país se rendeu após o ataque americano. O fato logo causa um cisma violento entre os japoneses que pretendem continuar lutando a guerra mesmo no Brasil e aqueles que acreditam na queda do Eixo, chamados de "corações sujos". O filme nos mostrará este quase esquecido trecho da nossa história sob o ponto de vista de Takahashi (atuação marcante Tsuyoshi Ihara, famoso na TV japonesa), dono de uma pequena loja de revelação fotográfica.

Para o espectador que não compreende a importância da honra na cultura japonesa e o que aquela rendição significou para compatriotas afastados há muito de seu país (e portanto longe dos intensos desdobramentos políticos da época), a própria motivação da "guerra" talvez pareça histérica ou maniqueísta, resumida à revolta infundada de japoneses furiosos e malvados contra os "bonzinhos", que conseguem enxergar o "óbvio" absurdo da situação. Na verdade, o conflito é muito mais complexo e humano do que isso. Mas exige um mínimo de empatia com uma cultura bastante diferente da nossa. Talvez por isso o filme tenha sido um sucesso retumbante nos cinemas japoneses frente a um fraco desempenho nas bilheterias do Brasil.

Outra referência necessária é a do melodrama japonês. A trama se desenrola e adquire tons emocionais, coloridos por canções típicas japonesas e uma decupagem que, para olhos acostumados com a americana, pode parecer lenta ou até cafona. Mas dialoga perfeitamente com o universo retratado: novelas, séries e filmes japoneses de entretenimento têm um aspecto bastante semelhante ao alcançado por Amorim em seu longa, o que não deixa de ser mérito. É como se, para falar de Japão feudal, o diretor usasse gravuras típicas. Porém, aqui, o paralelo é válido para a década de 1940 e a linguagem do cinema.

Claro que nem todas as fragilidades de Corações Sujos residem no fato de que o filme bebe em contextos culturais diversos. A cenografia e a direção, por exemplo, se descuida mais de uma vez e deixa passar inclusive paredes falsas, que ficam completamente expostas numa cena em que a garotinha Akemi (Celine Fukumoto, atuando em japonês e português) corre pela rua. Outro detalhe é que alguns conflitos, que poderiam ser resolvidos em uma cena, se estendem por várias, fazendo com que a trama pareça repetitiva.

Os acertos ocorrem principalmente nas simbologias, - a bandeira do Japão aparece em abundância e a fotografia como memória permeia a história de mais de um personagem - na trilha sonora e no tom, que consegue ser neutro e até denunciar a crueldade da polícia brasileira (personificada em Eduardo Moscovis em boa atuação) com os imigrantes, mais um indício de que o julgamento do público, ao contrário do da polícia, deve ser pautado por um olhar etnográfico.

Se por um lado Corações Sujos exige demais do espectador brasileiro para sua apreciação completa, por outro, permite ao nosso cinema explorar gêneros e linguagens inéditas em nossas terras. Uma ousadia louvável, incluindo seus tropeços.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é jornalista, mestre em Estética, Redes e Tecnocultura e otaku de cinema. Deu um jeito de levar o audiovisual para a Comunicação Interna, sua ocupação principal, e se diverte enquanto apresenta a linguagem das telonas para o mundo corporativo. Adora tudo quanto é tipo de filme, mas nem todo tipo de diretor.
avatar

Últimos artigos deDimas Tadeu (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *