Crítica

Há filmes que ficam pra história como grandes produções que inovaram o modo de fazer cinema e se tornam clássicos absolutos. Porém, há também aqueles bons títulos que terminam injustiçados por não serem tão magníficos assim e terem "roubado" o lugar de outros. Como Era Verde o Meu Vale se encaixa nesta categoria por ser lembrado até hoje como o longa que tirou o Oscar de Melhor Filme das mãos de Orson Welles e seu Cidadão Kane (1941). Por um lado, realmente isto é um fato. Por outro, a obra de John Ford é um belo título, ainda que extremamente falho sob diversos aspectos.

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Adaptado do livro de Richard Llewellyn, este épico retrata a história de uma família que vive em um vale no País de Gales no início do século XX. O que gera empregos na cidade é uma mineradora de carvão, que logo reduz o salário dos empregados. Em meio a uma greve, os Morgan precisam decidir se apoiam a criação de um sindicato ou mantém o conservadorismo para permanecerem trabalhando. A narração é de Huw (Roddy McDowall), o caçula dos seis irmãos que foi o único contemplado com a chance de estudar. Sob um viés nostálgico, apoiado pela bela e triste trilha sonora em parceria com a fotografia em preto e branco, vemos este homem no alto dos seus 60 anos contar a história de sua família. Ele está prestes a deixar o vale onde morou a vida inteira e faz um paralelo da vida simples da região com a industrialização e a consequente queda da harmonia entre as pessoas.

Esta já é uma falha do roteiro, que coloca, sem tons de cinza, o antes e o depois como totalmente opostos. Por outro lado, é a visão de um saudosista que estamos assistindo, o que pode explicar esta visão unilateral. O problema fica maior quando vemos que esta definição taxativa também se aplica aos personagens do longa, que são jogados na tela à medida em que o tempo passa sem grande aprofundamento de seus pequenos. Nisto há um caso entre uma garota e um religioso, a luta de socialismo versus capitalismo na pele dos trabalhadores e seus chefes, o casamento forçado, a degradação de uma localidade onde tudo parecia fadado a prosperar, nunca o contrário.

O texto de Phillip Dune coloca muita coisa em um filme apenas, e nem sua longa duração consegue contemplar os mais diversos aspectos da história. A narrativa é basicamente dividida em capítulos que se ligam uns aos outros, mas nunca parecem chegar a conclusões satisfatórias ou que causem grande empatia. Se isso acontece é graças a direção de Ford e um elenco, ainda que não por inteiro, de atores e atrizes que defendem seus personagens com afinco, humanizando-os da melhor forma possível. Os planos gerais utilizados pelo diretor são belíssimos, ainda mais realçados pelas direção de fotografia e de arte, o que faz entender melhor a visão otimista que o protagonista tem sobre sua infância e como os tons escuros e opacos tomam conta da tela à medida que o filme avança, realçando sua tristeza pela decadência de seu lar.

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O filme foi contemplado com cinco Oscar, incluindo o grande prêmio da noite, mas gera muito mais expectativa por estes predicados do que um resultado totalmente positivo. Por vezes o tom do longa é assumidamente conservador, mesmo que toque de forma superficial em questões polêmicas. No quesito religião, nem sem fala. Fica claro que, para a época, em que o sonho americano estava em baixa e precisava de uma mensagem otimista, Como Era Verde o Meu Vale se tornou necessário para dar uma elevada na moral de seus patriotas. Porém, com o passar dos anos, o título se tornou apenas uma boa produção que poderia ter sido muito melhor se mais aprofundada.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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