Crítica

É um exercício curioso tentar entender as intenções do diretor estreante Robin Vogel com o documentário Weg van de Kerk – chUrchroad. Se no começo nos deparamos com uma visão atualizada de Sodoma e Gomorra em um dos clubes de sexo mais populares de Amsterdã, logo somos convidados a refletir sobre esse “exagero de liberdade” – em palavras do próprio cineasta – em contraste com a situação vivida por homossexuais há poucas décadas, tendo como contraponto para isso a relação dele com seu tio, igualmente gay e, como descobrimos em seguida, já falecido. Estaria ele lamentando o passado ou o presente? Esta é uma resposta que, no entanto, seu filme parece nem um pouco preocupado em conceder.

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O Club chUrch faz parte da subcultura noturna gay da capital holandesa. Não passa de um inferninho como tantos outros, com a diferença que, uma vez lá dentro, tudo é permitido – ao menos em termos sexuais. Há os evidentes – e já tradicionais – quartos escuros e glory holes, por exemplo, mas os frequentadores mais habituais não se restringem a esses espaços mais convencionais para extravasarem seus apetites e desejos. Assim, a prática, o intercurso, a felação e as penetrações se dão em todos os lugares, desde a pista de dança às escadas, com todos livres para fazerem o que bem entenderem. O dress code já indica tal postura libertária – afinal, quase a totalidade dos visitantes usam apenas um jockstrap (aquelas cuecas que tapam apenas os órgãos sexuais frontais), se tanto. Quando Robin adentra este mundo pela primeira vez, acredita ter descoberto o paraíso. Mas, como irá perceber em seguida, as coisas não são tão simples.

O espectador, portanto, é levado a pensar que Vogel é um rapaz ainda no armário, que precisa esconder sua verdadeira natureza, fruto de uma família e sociedade repressora e que lhe exige uma postura submissa e conservadora. No entanto, não é o que percebemos no decorrer do filme. Sua mãe – a melhor da entrevistadas – foi hippie e compreende bem o filho, a ponto de afirmar “eu lhe respeito, e se lhe faz bem, é o bastante. Não preciso entender, pois há coisas em mim que também não desejo que você entenda. É importante termos nossa individualidade”. O sexo e o tesão andam juntos, mas tudo que é demais parece chegar ao ponto de cansar. E uma vez lá, para onde seguir? Se nos anos 1970 o swing parecia ser o último ato de rebeldia, hoje vivemos a volta a uma postura mais acomodada ou justamente o contrário, extrapolando de vez todos os limites? chUrchroad está em um destes extremos, ou no meio deles? Como se percebe, sua força pode tanto indicar um caminho ou outro.

O diretor, no entanto, vai além, conversando com dois proprietários do lugar – um senhor cuja mãe acredita que ele é dono de um restaurante e uma drag queen barbada e muito eloquente – um gogo boy sarado que passa a noite como pole dancer e alguns dos habitués do lugar, como um colecionador de cuecas que passa o dia engravatado (“não há diferença entre uma roupa ou outra, são apenas cascas”). Além disso, abre espaço para sua própria intimidade, debatendo a influência e a serventia do Club chUrch em sua vida com o melhor amigo – um artista plástico que investe na arte erótica – e até com o namorado, que, inclusive, conheceu lá – os dois possuem um relacionamento aberto.

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Mas e o tio, onde ficou nisso tudo? Sua presença, ressaltada no começo da narrativa – os dois, pelo que se percebe, eram muito próximos, talvez até mesmo por serem os únicos da família (será?) a se assumirem homossexuais – só será retomada no encerramento desta obra curta (são meros 54 minutos), porém nunca descartável. Ele acaba funcionando como uma sombra, um lembrete do custo para se chegar a esta realidade atual. chUrchroad não desvia de nenhum assunto mais polêmico – as drogas, o vício, a fidelidade, os relacionamentos, o lado profissional, a vida afetiva, as origens dos envolvidos e o futuro destes. E este parece ser seu maior mérito: levantar muitas questões, deixando as respostas para cada um da audiência. Soa quase como um discurso em construção, um trabalho de expiação pelo qual o autor se viu obrigado a enfrentar, como em busca do próprio entendimento. E se algumas definições estão longe de serem alcançadas com facilidade, reconhecer esta verdade indica não apenas humildade, mas também noção do seu alcance.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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