Casa Gucci

14 ANOS 157 minutos
Direção:
Título original: House of Gucci
Gênero: Crime, Drama, Thriller
Ano: 1124
País de origem: Canadá / EUA

Crítica

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Sinopse

O império Gucci foi construído a partir de muitas brigas e desentendimentos em família. Maurizio aceita assumir os negócios por pressão do tio, mas depois se vira contra ele. Paolo, o filho com aspirações a estilista, é rejeitado pelos empresários, e todos temem a proximidade de Patrizia, esposa de Maurizio, que busca controle cada vez maior nas decisões da empresa. Quando a mulher é afastada do casamento e dos rumos da Gucci, ela planeja o assassinato do ex-marido.

Crítica

Em 2013, o diretor Ridley Scott reuniu um elenco de estrelas para um filme de ação sem ação. Em O Conselheiro do Crime, os personagens se sentavam à mesa e planejavam roubos mirabolantes, complexos esquemas de tráfico, traição de parceiros. No entanto, estes planos raramente se materializavam em tela. Tratava-se de um estranho suspense em terceira pessoa, movido por diálogos incansáveis. O resultado foi certa impressão de frieza na condução, e a dificuldade de imergir na história por parte do público, que rejeitou a extravagância do cineasta. Algo semelhante ocorre com Casa Gucci (2021), uma biografia do império Gucci que minimiza a moda, a gestão empresarial, e mesmo o famoso assassinato. Aqui, os personagens mencionam a empresa familiar sem que o espectador saiba se a marca se encontra em seu início, ou já constitui um ícone reconhecido mundialmente. Aldo (Al Pacino) fala sobre a importância de preservar os negócios, porém jamais o vemos negociando de fato. Maurizio (Adam Driver) é acusado de gastar em excesso, embora nunca o vejamos usufruindo de tamanha riqueza — certo dia, objetos de luxo simplesmente aparecem à porta. Esqueça o dia a dia com funcionários, pagamento, confecção de coleções, discussão de tendências, rivalidade com outras casas: nenhum personagem demonstra apreço pela moda, nem um plano específico para o futuro. Os escritórios luxuosos ficam vazios: ninguém aparenta trabalhar ali dentro.

Na falta de conflitos concretos, existem aqueles evocados pelos diálogos — e de fato, os personagens falam bastante. No entanto, para uma narrativa dependente de conversas para se desenvolver, é impressionante a falta de dinâmica, ou a incapacidade de construir personalidades através das falas. Becky Johnston e Roberto Bentivegna oferecem um roteiro fraco: primeiro, por apostar em frases de efeito que prejudicam o trabalho dos atores (“Nunca confunda merda com cioccolato. A aparência é semelhante, mas o gosto é muito diferente”; “Minha bexiga está transbordando, mas não tanto quanto a minha inspiração”). Além disso, há uma dificuldade em determinar o ponto de vista: inicialmente, a trama parece contada por Patrizia Reggiani (Lady Gaga), enquanto o marido Maurizio é visto em segunda pessoa. Depois, o roteiro esquece a esposa para se dedicar a ascensão deste. Os protagonistas são opacos: o herdeiro da fortuna Gucci é representado como um homem desprovido de ambições, excessivamente tímido, que se contenta em executar as estratégias determinadas por terceiros. O que deseja ao certo o advogado? Patrizia sublinha a importância da família, embora ignore a sua por completo quando se joga no império alheio. Em paralelo, de onde surge a adoração espontânea do tio pelo sobrinho? 

As cenas se atropelam, algo estranho para um filme com confortáveis 157 minutos para desenvolver a sua história. Mesmo assim, o roteiro precisa de um anônimo dizendo que “Gucci é uma farsa” durante um desfile para o espectador descobrir que a marca enfrenta dificuldades. Revelações de dívidas também surgem abruptamente. Nota-se a dificuldade de Scott em trabalhar com processos, ou seja, dilemas aprofundados ao longo do tempo. Pela estrutura nuclear, um personagem entra em cena, cumpre seu papel de instigador de conflitos e depois desaparece. Rodolfo (Jeremy Irons) soa fundamental na narrativa, mas quando some das imagens, não deixa traços, remorsos ou marcas nos familiares. Paolo (Jared Leto), o histriônico sobrinho estilista, surge a esmo, sem função real. Durante reuniões familiares ou jantares com vários personagens, o cineasta se revela indeciso quanto ao papel daqueles calados, sentados no sofá. Existe uma sensação de desconforto em relação ao tempo e ao espaço: embora as mansões luxuosas e lojas de grife sejam importantes à obra, passa-se pouco tempo nelas, e os personagens interagem raramente com os cenários, transformados em panos de fundo teatrais. Já os anos e meses se sucedem sem que o espectador perceba ao certo em que medida as brigas se acentuaram, e as consequências das mesmas na vida de Patrizia, Algo, Maurizio e outros. É preciso encontrar, ocasionalmente, a pequena filha do casal (ignorada pelos pais, aliás) para perceber alguma passagem de tempo.

Tamanha indefinição produz uma composição desigual do elenco. A indústria está sedenta para transformar Lady Gaga numa grande atriz, visando resgatar o prestígio e a popularidade de premiações fundamentais ao status quo. Ora, por mais esforçada que seja, a cantora está longe de apresentar dotes dramáticos excepcionais — algo compreensível, devido à falta de formação para tal. Cher e Barbra Streisand se tornaram exceções, com níveis impressionantes de trabalho cênico. Gaga tem melhorado, e apresenta aqui um desempenho superior àquele do mediano Nasce uma Estrela (2018). Entretanto, basta vê-la poucos minutos em cena ao lado de intérpretes experientes para perceber como é devorada pelos colegas — caso de Camille Cotin e Jeremy Irons. Por trás de quilos de enchimento e maquiagem, Jared Leto investe em mais uma de suas transformações-performances, afetadíssimas em trejeitos e tiques. Ele aparenta habitar um projeto diferente dos colegas, no caso, uma comédia próxima do pastelão. O cineasta teima em dosar o humor no projeto que se pretende leve, e prefere ridicularizar figuras coadjuvantes (a cartomante interpretada por Salma Hayek) a deixar que o absurdo provenha dos próprios conflitos. A sequência do sapato raro, envolvendo Al Pacino, e aquela do álbum da filha entregue pela esposa abandonada deveriam ser fortes, mas apenas incomodam pela indefinição de tom e propósito: deveriam ser ridículas e cômicas, ou piedosas e dramáticas? Adam Driver, interpretando um herói à revelia, fica perdido entre a inocência inicial e a guinada inverossímil rumo ao empresário ganancioso. O filme se move aos solavancos.

Os sotaques representam outro ponto de discordância. Jared Leto oferece um italiano caricatural, Lady Gaga privilegia a entonação à pronúncia, e Adam Driver sequer se esforça para aparentar italiano. Scott nunca se importou em convocar atores locais para encarnar suas exóticas figuras de estrangeiros, e esta biografia não será a exceção. Casa Gucci se ressente de uma produção frouxa, onde cada ator ou membro da equipe desempenha seu papel de modo independente, em frágil comunicação com os demais. A fotografia aposta numa quantidade de bruma e gelo seco digna de filmes de terror; a direção de arte hesita entre o realismo (roupas e objetos de Maurizio e Aldo) e o paródico (os cabelos de Pina, a maquiagem cadavérica de Rodolfo). Algumas cenas passam ao preto e branco no final do conflito; outras são elaboradas com uma câmera tremidíssima por razão desconhecida, e a trilha sonora ora se faz discreta, ora, invasiva. Às vezes, a música desperta a impressão de que o tom foi forçadamente modificado na pós-produção (o passeio de barco entre os amantes). Há diversos méritos pontuais, incluindo a abordagem da marca Gucci sem endeuzá-la, nem atacá-la, e a capacidade de encontrar na assassina um misto de aproveitadora, mulher rancorosa e vítima de um esquema machista. Existem nuances preciosas no que diz respeito ao crime, reservado aos instantes finais. No entanto, o espectador sairá da longa sessão sem conhecer a ascensão da marca, o dia a dia dessas pessoas e o impacto da morte. Afinal, o que pretendia o diretor através dessa biografia isenta de posicionamento?

Bruno Carmelo

Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.

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