Crítica

Assim como houve o alemão Oskar Schindler (cuja história é revelada no oscarizado A Lista de Schindler, 1993, de Steven Spielberg) e o português Aristides de Souza Mendes (também conhecido como O Cônsul de Bordeaux, 2011), o Brasil também teve um herói quase anônimo, responsável por ter salvo dezenas de judeus na Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Talvez seus feitos nesse episódio particular não tenham sido tão destacáveis, mas para essas pessoas significou toda a diferença entre a vida e a morte. E soma-se a isso o fato deste homem já estar figurado na história política e cultural do nosso país por outros feitos, talvez muito mais amplos. Fala-se aqui de Guimarães Rosa, o escritor mineiro responsável por clássicos como Grande Sertão: Veredas, de 1956, e Sagarana, de 1946. E é sobre essa sua faceta, desconhecida de muitos, que se debruça com bastante propriedade o interessante documentário Outro Sertão, de Adriana Jacobsen e Soraia Vilela.

Em 1938, João Guimarães Rosa, então no início de sua carreira diplomática e sem o reconhecimento que a atividade literária lhe ofereceria anos depois, é enviado para o seu primeiro cargo no exterior, visando assumir a função de vice-cônsul em Hamburgo, na Alemanha. Lá ele fica até 1942, e sem se fazer de rogado acaba tendo influência decisiva na vida de diversos judeus que o procuraram em busca de ajuda. Muitos destes descendentes hoje moram em cidades como São Paulo, mas não porque desejavam vir para o Brasil. O destino foi definido porque Rosa foi o único a oferecer essa rota de fuga para os horrores dos campos de concentração e outras barbáries cometidas durante a guerra. Quando não se tem para onde escapar, qualquer saída é uma vitória, e esse foi o papel do autor de personagens icônicos como Diadorim e Augusto Matraga.

Adriana Jacobsen, mestre em comunicação pela Universidade Livre de Berlim, e Soraia Vilela, mestre em cinema pela Universidade de Humboldt de Berlim, estreiam juntas na direção cinematográfica com Outro Sertão sem abandonarem suas origens. Assim como o escritor retratado, elas também são brasileiras – a primeira é capixaba, enquanto que a segunda é de Minas Gerais. Mas construíram suas carreiras no exterior, e agora voltam ao país com um olhar bastante abrangente sobre esse importante – e muitas vezes relegado – período da vida de Guimarães Rosa. O documentário que apresentam é esteticamente muito bonito, entregue ao público após uma competente pós-produção, revelando uma surpreendente pesquisa de imagens, com achados históricos surpreendentes – a entrevista que ele dá a um crítico literário alemão é rara e impressionante – e muito bem pontuada por depoimentos de personagens dessa história que hoje devem suas vidas aos atos subversivos desse homem.

Com apenas 70 minutos de duração, Outro Sertão peca apenas pelo formato um tanto engessado em que se apresenta. O maior problema foi a solução encontrada pelas realizadoras em dividir o filme em capítulos – a chegada, o amigo, o diário, o escritor, o diplomata, o alarme e a partida – o que provoca a impressão de ser ainda maior, exigindo uma atenção desnecessária da audiência. Esmiuça-se muitos detalhes que terminam por não ter muita relação com o cerna da questão a ser desenvolvida, dispersando o interesse do público. Fora isso, tem-se algo didático, sim, mas também pertinente por sua relevância e não menos revelador pelo conteúdo que apresenta.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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