Crítica

Ninguém é santo, responde o homem do título ao explicar o dinheiro do jogo do bicho usado para uma de suas instituições sociais. Menos mal, pois, ao contrário dos santos, que sabe-se lá o que fariam por nós, Herbert José de Sousa, o Betinho, fez muito.

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Nascido em Bocaiúva, interior de Minas Gerais, em 1935, o sociólogo e militante percebeu desde cedo as chances que o século XX davam ao país para que este reescrevesse uma história marcada por desigualdades sociais, pobreza e corrupção. Caso clássico em que as dificuldades forjam um caráter robusto, Betinho enfrentou na infância a tuberculose e conviveu com a hemofilia. As doenças lhe deram a necessidade de ação e o senso de urgência. A partir delas, juntou-se, primeiramente, às iniciativas da Igreja Católica, em uma vertente peculiar da Teologia da Libertação, que tinha em Leonardo Boff um dos expoentes. Depois, tomou a dianteira na criação de um programa direcionado para a erradicação da pobreza, chamado simbolicamente de Ação. Símbolo de um período em que o país escolheu a fome como inimigo número um, o Ação se expandiu pelos quatro cantos do Brasil, mobilizando diversos setores e grupos da sociedade. Os números recordes da arrecadação deram algumas lições para a sociedade brasileira. A mais importante, e que por vezes é esquecida, é a de que o Estado não é o único agente para o desenvolvimento social - e que, na ausência deste, cada um de nós pode mais.

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Dirigido por Victor Lopes, o documentário constrói-se de forma linear, ancorado pelo próprio protagonista em uma compilação de suas declarações. Encorpam os 90 minutos de filme a presença de nomes relevantes do cenário político e cultural do Brasil, como os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula, o ex-governador de São Paulo, José Serra, com quem Betinho dividiu o exílio no Chile durante a ditadura, assim como os músicos Caetano Veloso, Chico Buarque e Djavan. O coro de peso atesta o inevitável. Numa época em que as demandas recorrentes apontam para si - se eu quero terra, peço terra; se eu quero casa, peço casa - Betinho mobilizou a vida para os problemas alheios. Mesmo quando o erro era externo - como ao descobrir-se soropositivo após a transfusão de sangue em um banco contaminado - Betinho transformou a doença em uma arma para exigir do governo brasileiro comprometimento na fiscalização dos processos médicos.

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Espelhado na simplicidade com que o protagonista atuava, Betinho: A Esperança Equilibrista é um documentário simples, retrato talvez do que possa ser a doação de um homem para melhorar a sociedade - uma grande homenagem a quem tanto fez sem exigir nada em troca.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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