Crítica

Com o sucesso popular das comédias brasileiras, o cinema nacional se tornou refém de um tipo de produto que busca retorno rápido, tanto de público quanto de investimento, com o ideal bastante claro de concretizar um estilo de realização em série, sem muito aprofundamento social ou crítico. Para cineastas genéricos, sem ambições intelectuais ou criativas, tal formato pode ser compensatório – Roberto Santucci está aí para comprovar este fato, tanto para o bem quanto para o mal. Mas para aqueles inquietos em suas propostas artísticas, se sujeitar a esse tipo de produção pode ter efeitos catastróficos, ou seja, sem satisfazer nenhum tipo de ambição. Mais ou menos como acontece com Aluízio Abranches e este Bem Casados, filme que não consegue ser nem uma coisa, nem outra, e deve desagradar até os menos exigentes.

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A trama é bastante simples: garota vingativa se aproxima de um fotógrafo de casamentos para usá-lo como meio de se infiltrar na festa do ex-namorado. O que ela quer é estragar os planos dele, só que no processo acabará se apaixonando pela conquista de ocasião, tendo que rever seus próprios objetivos. É uma estrutura até mesmo óbvia, já vista inúmeras vezes antes, e é justamente por se apoiar em uma previsibilidade cômoda que deveria agradar a este tipo de espectador contente em encontrar sempre as mesmas coisas a cada ida ao cinema. Muita gente, afinal, não gosta de ser surpreendido. Abranches, no entanto, não é uma delas.

A impressão é que ele aceitou fazer Bem Casados, estilo de filme que em nada se assemelha com o resto de sua filmografia, apenas para levantar recursos para algum projeto seguinte – como Maratona, já anunciado para 2017. Abranches nunca foi um cineasta prolífico – Um Copo de Cólera é de 1999, As Três Marias de 2002 e Do Começo ao Fim foi lançado em 2009. Apenas cinco longas em um prazo de quase vinte anos indica tanto o preciosismo do realizador com seu trabalho quanto as dificuldades do cenário cinematográfico no nosso país. Porém, o fato destes dois últimos saírem quase simultaneamente – afinal, dois anos de intervalo para ele é quase nada – deve indicar alguma coisa. Melhor pensar assim, portanto, como se esse aqui fosse apenas um exercício provisório visando algo maior, do que tentar encaixá-lo dentro de um conjunto ao qual soará inevitavelmente estranho.

Pra começar, ele tenta reinterpretar sem muito sucesso alguns estereótipos recorrentes no gênero. Alexandre Borges (seu parceiro em Um Copo de Cólera) é o homem fraco, em crise pelos anos estarem passando e ele não mais conseguir seduzir as mulheres como antes fazia. Camila Morgado, abraçando de vez a comédia após Até que a Sorte nos Separe 2 (2013), tenta compor aquele tipo devoradora de homens, decidida e rebelde. A primeira cena, quando aparece para interromper o chá de panela da noiva, até parece apontar para algo estimulante. Mas se trata de um alarme falso. Ela logo abandona essa determinação inicial, e quando percebemos os próprios personagens já foram desconfigurados, transmutando-se em algo insípido e pelos quais é impossível torcer. Bem Casados é um filme que só promete, mas lhe falta coragem para cumprir.

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Atores talentosos, como João Gabriel Vasconcellos (um dos protagonistas de Do Começo ao Fim) e Xuxa Lopes praticamente não abrem a boca em cena, enquanto que Bianca Comparato e Christine Fernandes se veem reduzidas a velhos clichês. Até a união entre os protagonistas, que não possuem a menor química juntos, é feita de modo apressado nos últimos dez minutos de história, pois até então nada indicava que poderiam terminar juntos. E assim, de forma quase constrangedora, Bem Casados encerra como uma nota de rodapé na carreira dos envolvidos, almejando um entretenimento ligeiro que nunca é atingido e desejando ser tão esquecível quanto uma manhã pós-porre.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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