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Sinopse

Londres, 1912. Maud Watts é uma jovem e trabalhadora mãe de família que acaba se envolvendo com as primeiras militantes feministas, protestando contra um Estado que agia de forma brutal para reprimir a sua luta.

Crítica

Você sabia que até os anos 1930 – ou seja, a menos de um século – às mulheres era proibido o direito de votar no Brasil? E que na Arábia Saudita as primeiras eleições com participação feminina se deu em... 2015?! Pois se imagina que tais fatos assim ocorreram por se tratar de um país do Terceiro Mundo ou imerso em uma cultura religiosa bastante restritiva, é ainda mais impressionante descobrir que na Suíça o voto feminino só foi liberado nos anos 1960, enquanto que na Itália e França, por exemplo, tal conquista só foi acontecer após a Segunda Guerra Mundial, nos anos 1940. E um dos países que liderou estes esforços para reparar essa injustiça histórica, já desde o início do século XX, foi a Inglaterra. Tema, aliás, do contundente drama As Sufragistas, filme de título difícil, porém de fácil assimilação pela plateia.

E por que isso? Pelo simples fato da diretora Sarah Gavron (Um Lugar Chamado Brick Lane, 2007) não se preocupar em realizar um grande apanhado sobre o movimento, investigando suas origens, quais eram as principais lideranças e como se deu cada uma das diversas batalhas junto ao governo. Pelo contrário, assume-se como protagonista a até então desconhecida Maud Watts (Carey Mulligan, com seu eterno olhar melancólico que, como em muitos dos seus filmes anteriores, como Shame, 2011, e Drive, 2011, cabe bem à personagem). Ela é uma lavadeira que trabalha duro desde a pré-adolescência. Órfã, encontrou na atividade uma maneira de fazer sua vida, e através dela conheceu também o marido, Sonny (Ben Whishaw, ator quase onipresente nesta temporada, em cena também em 007 contra Spectre, 2015, e No Coração do Mar, 2015, além dos inéditos A Garota Dinamarquesa, 2015, e O Lagosta, 2015). Os dois são quase invisíveis, levando uma vidinha medíocre em um apartamento minúsculo ao lado do filho pequeno e ocupando seus dias entre casa e trabalho. Pessoas nada especiais, porém envolvidas em uma situação extraordinária.

As coisas, no entanto, começam a mudar quando ela recebe o convite de uma colega para ir a uma reunião de sufragistas. O termo, pouco comum no trato diário atual, diz respeito ao sufrágio, ou seja, nada mais do que voto, eleição. São mulheres que trabalham tanto quanto os homens, mas são desrespeitadas socialmente, ganhando menos e sem reconhecimento. Elas não querem privilégios, buscam direitos. Querem ser iguais, nem mais, e não menos, como até então eram consideradas. Quem votar, eleger representantes e ter alguém que fale por todas. Mas há tanto acostumadas a apenas se calarem e não serem ouvidas, é difícil encontrar eloquência suficiente para convencer os outros. E é por isso que, após tanto tempo sendo ignoradas, partem para a ação violenta, quebrando vidraças e organizando passeatas. Maud estará no meio delas, sendo perseguida pela polícia e afastada da família. Até o momento em que terá que decidir o que, de fato, almeja para seu futuro.

O roteiro de Abi Morgan (A Dama de Ferro, 2011) não esconde sua vocação feminista. Porém, mais do que ser simplesmente panfletário, o filme se ocupa em oferecer uma luz a uma injustiça que nada mais era do que reflexo de uma época na qual era aceitável tamanha diferenciação entre os sexos, como se de fato um fosse inferior ao outro. É de se questionar quais atitudes de hoje poderão ser encaradas com espanto cem, oitenta ou cinquenta anos no futuro (negros? gays? emigrantes?). O condicionamento que por gerações essas mulheres foram submetidas não poderia ser rompido de forma pacífica, e As Sufragistas não se acovarda diante estes conflitos. A presença do policial interpretado por Brendan Gleeson é fundamental neste aspecto: ele está ali para cumprir a lei, e esta diz que o modo como essas mulheres estão agindo é errado e precisa ser contido. Ao mesmo tempo, no entanto, ele possui uma consciência, gradualmente vai adquirindo uma melhor noção sobre o clamor delas e percebe que tal repressão não poderá durar para sempre – como de fato aconteceu. Ele é o sinal da mudança.

Carey Mulligan defende sua personagem com firmeza, indo da condição pacífica a de líder revolucionária sem tropeços. Helena Bonham Carter é uma coadjuvante de luxo, sem muito o que fazer, enquanto que a participação de Meryl Streep – como a grande voz por trás do movimento – pode ser mínima, mas nunca menos do que marcante. As Sufragistas é um filme denso, com conteúdo relevante e que cumpre seu papel de chamado histórico, alertando para um absurdo que já foi considerado normal – e que não deve, nem pode, ser repetido entre minorias similares. Conduzido com segurança, talvez perca pontos apenas por não surpreender, trilhando um caminho esperado e já visto em casos semelhantes. Nada que tire sua força, ainda que não o eleve a uma condição de destaque.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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