Crítica

Como todo bom faroeste, Appaloosa possui um enredo bastante simples: dois pistoleiros são contratados para serem os novos xerifes de pequena cidade assombrada por um bando de valentões. Agora, o que faz toda a diferença é o quarteto principal de atores, todos em excelentes desempenhos. Principalmente, claro, os homens – afinal, estamos na terra sem lei dos bravos e ousados. Ed Harris e Viggo Mortensen são os forasteiros que chegam para acabar com a festa de violência e desrespeito comandada por Jeremy Irons. Adicionando um tempero mais picante neste triângulo está Renée Zellweger, como uma viúva não tão indefesa quando se poderia imaginar – muito pelo contrário, ela sabe usar muito bem as armas que possui.

Appaloosa é uma iniciativa de Harris enquanto diretor, a primeira desde sua estreia no aclamado Pollock, em 2000 (que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator e o prêmio de Atriz Coadjuvante para Marcia Gay Harden). Além de dirigir, ele também atuou, produziu, roteirizou, e escreveu e interpretou a canção-tema “You’ll Never Leave My Heart”. Ou seja, nota-se com bastante evidência o carinho dele pelo projeto. O melhor é que se sai bem em todas estas tarefas, não entregando o filme mais inovador do ano, mas produzindo algo competente, que oferece um novo frescor ao tema sem arriscar demais. E este respeito pelas diretrizes mais consagradas do gênero e pelo próprio formato, ousando muito pouco e conduzindo sua história e seus personagens dentro de conceitos já consagrados, torna a fruição deste espetáculo, se um pouco previsível, ao menos prazerosa na medida certa e nostálgica sem parecer antiquada.

Viggo Mortensen, visto recentemente em Um Homem Bom, confirma novamente ser o ator ideal para o tipo calado, que fica na sua, mas sabe o momento certo de agir e ser o herói, como na trilogia O Senhor dos Anéis ou mesmo no excelente Senhores do Crime, pelo qual foi indicado ao Oscar. Suas feições duras num rosto de poucos amigos, aliadas a um olhar dócil e terno, lhes oferecem muitas nuances, que somente aos poucos, e com muito cuidado, vão sendo reveladas. A química entre ele e Harris é perfeita, e os dois formam uma bela dupla. Já Irons tem o dom de ser tanto uma figura frágil e inocente como um ser ameaçador e perigoso, bastando para isso alterar um pouco o registro da voz ou como se coloca em cena. É um grande ator, que há muito tempo estava perdendo tempo em produções menores (A Pantera Cor-de-Rosa 2Eragon) e merecia um desafio como esse, à altura do talento que possui.

Por fim há Zellweger, que parece estar precisando se reinventar como atriz. Depois de ganhar o Oscar por Cold Mountain e conquistar as bilheterias com as duas aventuras da solteirona Bridget Jones, ela precisava mesmo de um tempo afastada – e estes anos um pouco fora do radar parece terem lhe feito bem. Aqui ela não é a estrela, mas conduz com perspicácia sua trajetória dentro da trama, sendo responsável por uma importante reviravolta e oferecendo um humor e uma multiplicidade de sentimentos bastante interessante. Além disso, o cenário está perfeitamente adaptado, dos figurinos à fotografia, fazendo de Appaloosa uma obra digna dos seus esforços. É um filme que prende a atenção e se desenvolve com tranqüilidade, mesmo nos momentos mais climáticos. Não propõe grandes mudanças, e talvez esse cuidado excessivo com os parâmetros pré-estabelecidos seja sua maior falha. Mas é apenas um pecado menor dentro de um horizonte envolvente e conciliador.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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