Amores na Cidade
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Michelangelo Antonioni, Federico Fellini, Alberto Lattuada, Carlo Lizzani, Francesco Maselli, Dino Risi, Cesare Zavattini
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L'amore in città
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1953
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Itália
Crítica
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Onde Assistir
Sinopse
Em Amores na Cidade, seis histórias independentes exploram temas como desespero, solidão e relacionamentos na Itália dos anos 1960. De um salão de dança a casos de prostituição, o enredo retrata diferentes aspectos da sociedade da época em um país marcado pela reconstrução do pós-Guerra. Drama/Romance.
Crítica
Quando Federico Fellini lançou o clássico 8 ½ (1963), sua explicação mais imediata para o título é que se tratava do seu “oitavo filme e meio”. Mas como seria possível que alguém tivesse feito não apenas oito, mas também um “meio filme”? Afinal, qualquer um que olhasse para sua carreira em retrospecto perceberia seis longas apenas, sendo “o meio” a co-direção que dividiu com Alberto Lattuada em seu trabalho de estreia, Mulheres e Luzes (1950). Ou seja, a matemática estava incompleta. Faltava um título, ou melhor, dois. Fellini se referia em sua conta aos dois projetos coletivos que participou nesse período, como se a soma de ambos contasse como um por completo. O último deles havia sido feito imediatamente antes, Boccaccio ’70 (1962), ao lado de Vittorio De Sica, Mario Monicelli e Luchino Visconti. E o outro era esse Amores na Cidade, completando um time não menos importante, dos quais se destacam Michelangelo Antonioni, Dino Risi e o já citado Lattuada.
Estamos no início dos anos 1950, e a Itália era um país recém saído da guerra, com pobreza e desilusões por todos os lados. Amores na Cidade, ao contrário do que o título e o pôster (ilustrado por um coração romântico formado pelas ruas de Roma) poderiam dar a entender a alguém desavisado, não está preocupado em desenhar um ideal amoroso de casais apaixonados em uma realidade idílica de sonhos. Não, muito pelo contrário. A pegada da maioria dos diretores aqui envolvidos – e determinada pelo organizador do projeto, o escritor e roteirista Cesare Zavattini – era revelar o amor autêntico daqueles tempos, duro, cruel e realista, porém sem deixar de lado o que os italianos tinham de melhor: o charme e a voluptuosidade.
Amores na Cidade é formado por seis episódios, três intensamente dramáticos, e os outros três mais leves e até com uma pegada cômica. Já nos primeiros instantes, o espectador é informado do que encontrará a seguir: histórias reais, múltiplas e que buscam exemplificar como o amor pode se manifestar em tempos de crise (como os que a Itália vivia na época). A maioria das tramas eram reproduções fieis de fatos verídicos, interpretados na tela pelos mesmos cidadãos que as viveram na realidade. O naturalismo das atuações perseguido pelos realizadores ia de encontro ao neorrealismo italiano tão propagado anos ante, que aqui começava a dar seus primeiros sinais de cansaço. Tanto que o único destes contos que destoa dessa proposta inicial é justamente aquele conduzido pelo homem que ajudou a formatar o movimento: Federico Fellini.
O diretor italiano recordista de indicações – e vitórias – no Oscar é responsável por um dos momentos mais leves e comoventes: Agência Matrimonial. Nela, acompanhamos um jornalista investigativo que tenta entender como funciona esse serviço, e para tanto vai até uma disfarçado de um possível cliente. Só que ao lá chegar, inventa a história de que o necessitado seria um amigo seu, um homem muito rico, porém doente, vítima de licantropia – a doença fictícia em que aquele que dela padece seria influenciado pelas variações da lua, tornando-se um lobisomem. Esperando ter seu pedido rejeitado, não só se surpreende pela fácil aceitação como já no dia seguinte encontra uma candidata pronta para o matrimônio. A ideia dele, no entanto, é tentar entender o que levaria alguém a assumir tal compromisso diante condições tão inusitadas. O relato que ouve em resposta é de cortar o coração, e feito com tamanha simplicidade que serve apenas para mostrar como, no cinema, muitas vezes o menos significa tanto.
Mas nem tudo são flores, e é curioso – e decepcionante – perceber que talvez os dois episódios mais frustrantes sejam justamente os que abrem a produção – e um deles sendo assinado pelo mestre Antonioni, aqui não em um dos seus melhores momentos. De início, um levantamento bastante documental informa que mulheres abandonadas por seus pares acabam enveredando, invariavelmente, por dois caminhos: a prostituição ou o suicídio. Carlo Lizzari se ocupa do primeiro em O Amor que se Paga, enquanto que Antonioni desenvolve o segundo em Tentativa de Suicídio. Ambos possuem estrutura similar, com entrevistas, depoimentos e reencenações das tragédias enfrentadas por aquelas garotas. O tom da narrativa é triste, o sentimento geral dos relatos é de desilusão, e saber que aquelas são trajetórias reais é ainda mais provocador. Porém, ainda que Amores na Cidade volte ao tema mais para o final, a impressão que passa por colocarem duas propostas semelhantes tão no começo acaba tirando a força da denúncia, motivando mais um choque barato, porém pouco reflexivo.
Isso porque logo em seguida Dino Risi dá seguimento com Paraíso por Quatro Horas. Lembrando a ideia melhor desenvolvida por Ettore Scola em O Baile (1983), aqui acompanhamos homens e mulheres em um salão de dança, divertindo-se entre flertes, conquistas e possíveis traições. Bem humorado, dá uma impressão eficiente de como nasceu o estereótipo do homem e da mulher italiana – ele galanteador, ela irresistível. A mesma fórmula volta a ser empregada no capítulo final, porém de forma mais sofisticada: Os Italianos se Viram, de Alberto Lattuada. Praticamente sem diálogos – teria Scola aproveitado em seu clássico o melhor que estes dois curtas tinham a oferecer? – o diretor mostra moças e rapazes circulando pelas ruas da cidade, em um inesgotável e frequente processo de sedução. O “se viram” do título tem menos a ver com o “dão um jeito” e mais com o sentido literal da expressão: eles realmente se viram para melhor apreciar cada garota que cruza seus caminhos. De algumas vemos apenas os cabelos, de outras somente os sapatos e seus andares apressados. E se no final uma perseguição chega perto de tomar ares mais dramáticos, é apenas uma lembrança que indica onde e quando estamos, e qual a realidade que nos cerca. Uma consciência social e política impressionante, que volta à base do exercício de Fellini: mais com menos.
Mas antes desse há aquele que, possivelmente, seja o mais comovente de todos os episódios: A História de Caterina, de Francesco Maselli e Cesare Zavattini. Caterina é uma moça que foi presa na Sicília, e agora não tem como arrumar emprego e nem como sustentar o filho pela simples falta de documentos. Tenta ajuda com conhecidos, com o governo, mas é sistematicamente recusada. Como última solução, decide abandonar o pequeno, que acaba acolhido por uma instituição religiosa. É a mama italiana, uma personagem universal, contradizendo sua própria origem, voltando-se contra si e contra os seus por força da ação do poder público, que lhe deixa sem ter para onde ir. Saber que quem está diante das câmeras é a própria Caterina Rigoglioso e a criança verdadeira torna tudo ainda mais estarrecedor. No final, felizmente, vence o amor. E haverá sentimento maior do que o materno pelo seu rebento? Assim como desse país, maltratado e em condições difíceis, mas que mesmo assim se recusa a dar as costas aos seus problemas e, por fim, insiste em seguir em frente. Uma aula de cinema, mas acima de tudo de vida.
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Grade crítica
| Crítico | Nota |
|---|---|
| Robledo Milani | 8 |
| Chico Fireman | 8 |
| MÉDIA | 4 |




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