Crítica

O cinema italiano costuma ser reconhecido internacionalmente por suas características mais clichês, como romances amorosos fulgurantes (As Idades do Amor, 2011), por comédias satíricas (Habemus Papam, 2011) ou por épicos históricos (Baaria – A Porta do Vento, 2009). Bem, esqueça de tudo isso antes de assistir a Adorável Pivellina, um longa que tem uma pegada bem mais francesa – para não dizer iraniana – ao investir forte no naturalismo e na quebra das expectativas. O drama, exibido com sucesso pela primeira vez na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes de 2009, marca a estreia na ficção dos documentaristas Tizza Covi (também roteirista) e Rainer Frimmel, e aponta para um futuro bastante interessante para essa cinematografia.

“Pivellina”, em italiano, significa “garotinha”, e o título original é simplesmente La Pivellina, ou seja, A Garotinha. A adaptação nacional se apropriou de uma expressão típica, adicionando um adjetivo que condiz com o personagem, mas não com o filme em si. Adorável Pivellina tem como protagonista, obviamente, uma criança de não mais do que dois anos. Essa menina, chamada Asia, é encontrada por Patty sozinha, numa praça, andando de balanço. Patty está, na verdade, à procura do cachorro, mas – como qualquer pessoa na mesma situação – se preocupa com o aparente abandono da pequena, e após aguardar por algumas horas até que alguém apareça em nome da menina, decide levá-la para casa. Lá, encontra um bilhete nas roupas dela, que informa o óbvio: foi deixada ali pela mãe, que promete um dia retornar para buscá-la.

Aí começa a verdadeira história do filme. Quem é esta mãe? Quem é esta criança? E, acima de tudo, quem são estas pessoas que, meio que ao acaso, terminam por adotá-la? Patty vive em um trailer, e apesar da idade um pouco avançada possui os cabelos vermelhos como fogo, naturalmente pintados. No mesmo local moram Walter (irmão? Marido? Vizinho? Companheiro?) e o adolescente Tairo (filho? Sobrinho? Enteado? Afilhado?). Fica claro que não se tratam de pessoas convencionais. E essa marginalidade é um charme extra. Tudo vai sendo desvendado aos poucos, sem pressa. Estamos diante de uma família circense, e como tal, formada por agregados, pessoas sem origens compartilhadas, mas próximas pelas circunstâncias da vida. O que os ligam são laços do destino, podemos dizer. Exatamente as mesmas situações que levam Asia até eles.

O tempo vai passando, o inverno se vai, o verão chega, e nada dos verdadeiros pais da pequena Asia aparecerem. Mas, por outro lado, já não estariam eles ali, presentes desde o início? Esta é apenas uma das questões levantadas por Adorável Pivellina, um filme que facilmente escapa das soluções fáceis, apostando quase sempre no mais simples. Não há surpresas, reviravoltas ou grandes acontecimentos. O que temos, por outro lado, é a vida exatamente como ela é. Pessoas têm filhos sem merecerem, mães abandonam crianças e solitários se encontram entre si, construindo novos formatos familiares. Alguns podem considerar isso triste, mas de fato é a mera realidade. E este filme tem como maior mérito saber lidar com estas verdades com habilidade e justamente por isso se mostra tão pertinente e relevante.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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