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Sinopse
Em A Última Rodada, Carlobianchi e Doriano, dois cinquentões à deriva, compartilham uma obsessão: tomar a última “saideira”. Numa noite qualquer, enquanto vagam de carro de um bar a outro pela imensa planície do Vêneto, cruzam o caminho de Giulio, um jovem e tímido estudante de arquitetura. Esse encontro inusitado com dois mentores improváveis transforma radicalmente a visão do rapaz sobre o amor, a vida e o futuro. Comédia/Drama.
Crítica
Um dos títulos mais originais a ganhar destaque na seleção 2025 do Festival de Cinema Italiano no Brasil talvez não chegasse a ter exibição comercial por aqui se não fosse por meio de um contexto tão especial quanto o de um evento coletivo. Essa mesma percepção deve ter motivado os curadores do Festival de Cannes, que selecionaram A Última Rodada para participar da mostra Un Certain Regard deste mesmo ano. Afinal, o longa escrito e dirigido por Francesco Sossai resgata um olhar revigorante, ainda que por vezes até mesmo ingênuo, percebido em grandes movimentos que visavam reinventar as regras do jogo – nouvelle vague francesa, cinema novo brasileiro, neorrealismo italiano. Filmes que entraram para história e foram retratos de uma época. Portanto, pode-se afirmar que este agora em discussão corre o risco de ser percebido como um tanto anacrônico, distante do seu tempo, mas não por isso menos interessante ou desprovido de camadas dignas de digressão e análise. Uma história aparentemente simples, mas que aos poucos vai se embrenhando nos pensamentos e reflexões do espectador até deste não conseguir mais se dissociar.
Carlobianchi e Doriano formam uma dupla como das mais clássicas do audiovisual. Ambos dão a impressão de não terem nada a perder, e ainda menos a ganhar. Vivem pelo momento, preocupados apenas com o agora. Querem mais um brinde, mais uma risada, estender a conversa só por mais um pouco, até caírem na sarjeta sem nem terem recordação do próprio nome. E na manhã seguinte, quando acordam, é apenas para dar início à mesma rotina do dia anterior. Nessa busca por mais um bar, mais uma garrafa, mais um motivo para se distraírem da imensidão de nada que ocupam seus horizontes, acabam se deparando com uma turma recém saída da última aula da faculdade. São jovens entrando em férias, querendo se divertir, alegres com o fim dos compromissos estudantis, com a perspectiva de uma vida inteira pela frente. O oposto deles, portanto. Também eles possuem seus motivos para buscar uma certa perda de consciência, mas não para esquecerem de si. Pelo contrário, querem o quanto antes dar por fim uma fase de suas vidas, para que outra – que acreditam ser mais promissora – possa ter início. As posturas de uns e de outros são distintas. Mas nem tudo é preto no branco. Há sempre uma zona cinzenta entre dois extremos. Exatamente onde se encontra Giulio.

Eis que o que era uma dupla se transforma, portanto, em um trio. É curioso perceber como fica claro desde o início para os dois cinquentões o quanto aquele jovem pode oferecer de renovação aos velhos costumes com os quais há anos – e mesmo décadas – estão acostumados. Por outro lado, o rapaz poderá soar relutante no começo, em mais de uma ocasião se perguntando “o que estou fazendo aqui?”, mas com a mesma intensidade se deixando levar pelos novos amigos, como que curioso por descobrir o que aquelas novas amizades poderão lhe proporcionar. Não em termos de ganhos materiais e físicos, pois fica claro se tratarem de dois pobretões. Mas em termos de experiência e vivência, duas coisas que faltam – e muito – ao jovem. Malandros de rua, que com muita lábia e cara-de-pau foram levando existências condenadas ao acaso de forma leve e descontraída, nunca pensando além de um dia após o outro. Aproveitando cada momento, entre trambiques e pequenos golpes. Esse apego ao imediato e à vontade de se provar a todo instante parece ser exatamente o que falta ao garoto tão acostumado a enfiar a cabeça nos livros e nas telas, mas distante de tudo que se mostre de fato real e concreto.
Francesco Sossai, ele também muito novo – tem menos de 40 anos de idade – sabe que a estrutura proposta não poderia se estender indefinidamente, e trata de compreendê-la ao período de não mais do que uma noite e um dia, se tanto. Premiado com seu longa de estreia – Altri Cannibali (2021) – em festivais como os de Tallin Black Nights (Estônia) e Vancouver (Canadá), entre este e seu mais recente trabalho atuou como assistente de direção em produções internacionais como Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte Um (2023) e Queer (2024), o que lhe garantiu um conhecimento similar àquele pelo qual tanto anseia o protagonista de A Última Rodada. Sair da teoria e partir para prática. Filippo Scotti já havia chamado atenção em A Mão de Deus (2021), drama de Paolo Sorrentino indicado ao Oscar, e volta a entregar como Giulio outra atuação complexa e delicada. Mas as atenções estarão mesmo voltadas à dupla formada por Sergio Romano (Desafio de um Campeão, 2019) e Pierpaolo Capovilla, que como Carlobianchi e Doriano, respectivamente, demonstram um alinhamento que vai além das palavras, por vezes se sustentando apenas em olhares e gestos mínimos. O filme está inteiramente sobre as costas dos dois, e esta é também a garantia do sucesso de um projeto que, com pouco, entrega além das mais insuspeitas expectativas.
Filme visto durante o 20º Festival de Cinema Italiano no Brasil, em novembro de 2025
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