Crítica

Uma rara produção japonesa a ser exibida no circuito comercial brasileira, A Partida chegou até nós impulsionada por um bom motivo: ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro! E se, diante a competição apresentada, esse prêmio não foi merecido, ao menos enquanto obra isolada apresenta méritos de destaque. Ou seja, não foi um reconhecimento inválido, uma vez que é um bom trabalho. Apenas não o melhor.

Dos cinco indicados nesta categoria, este é o terceiro a ganhar às telas nacionais, após o francês Entre os Muros da Escola (2008) e o israelense Valsa com Bashir (2008) (faltam ainda os representantes da Alemanha e da Áustria). E qualquer um destes dois – principalmente o primeiro – são superiores ao competidor japonês. São mais relevantes, intensos em suas mensagens, artisticamente relevantes e originais em suas propostas, que apresentam um novo olhar sobre a sétima arte trabalhando velhos conceitos com uma nova paixão e interesse. A Partida, por outro lado, é uma história bastante convencional, que tem como maior qualidade a ousadia de abordar temas que ainda hoje são encarados como tabu no Oriente, mas que entre nós, ocidentais, há muito não fazem sentido. Resumindo: é uma oportunidade singular de nos colocar em contato com temas distantes da nossa realidade, tendo o talento de proporcionar esta aproximação com competência e delicadeza. É uma curiosidade, e pouco além disso.

O protagonista de A Partida é um jovem violoncelista que perde seu emprego na cidade grande quando a orquestra em que toca é dissolvida. Sem ter o que fazer, acaba voltando, com a companhia da esposa, para o lugar onde nasceu. Lá, ao menos, tem casa e conhecidos – o que, aos poucos, ele irá descobrir não ser uma vantagem tão grande assim. Afinal, o emprego que consegue é como ajudante em uma funerária, preparando os mortos para o adeus – ou seja, para a ‘última partida’. O problema é que nesta região, pelo que pode ser percebido, tal atividade é encarada com desprezo e preconceito, como se tocar os falecidos fosse algo desrespeitoso ou mesmo inferior. Assim, se sente compelido a esconder esta ocupação dos amigos e até da própria mulher. Mas o segredo não permanecerá por muito tempo, e quando a verdade vier à tona uma decisão deverá ser tomada: seguir essa nova vocação e encontrar uma dignidade neste serviço ou se submeter a uma velha convenção social e se resignar às percepções dos outros.

Grande sucesso de público do Japão, A Partida foi uma das poucas surpresas na festa de entrega do Oscar 2009. Verdadeiro azarão, acabou conquistando a preferência dos votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood pelo modo terno e comovente adotado em sua narrativa, pela bela fotografia que explora com sabedoria os contrastes entre o fechado e o escuro, o encerrado e o exterior, a vida e a morte, e pelas atuações convincentes do elenco principal, todos visualmente dedicados e entregues aos personagens que defendem. É um filme de ritmo lento, que vai envolvendo aos poucos, o que pode afastar os mais apressados e desavisados. Mas que certamente surpreenderá os que se deixarem levar. ‘Bonito’ é uma boa forma de descrevê-lo. Nada que justifique aplausos muito entusiasmados, mas ainda assim prazeroso e gratificante.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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