A Natureza das Coisas Invisíveis

Crítica


8

Leitores


2 votos 8

Onde Assistir

Sinopse

Em A Natureza das Coisas Invisíveis, Glória tem 10 anos e passa as férias no hospital onde sua mãe trabalha como enfermeira. Lá conhece Sofia, uma menina que está convencida de que a piora na saúde da bisavó é causada pela internação no hospital. Unidas pelo desejo de sair dali, as crianças encontram conforto na companhia uma da outra. Drama.

Crítica

Glória e Sofia, apesar de pequenas, já possuem grandes problemas sobre seus ombros. A primeira queria apenas folga e diversão, mas está se vendo obrigada a passar as férias escolares nos corredores do hospital onde a mãe trabalha. Já a segunda culpa a si mesmo pela bisavó estar internada nesta mesma instituição. É lá onde as duas se conhecem, se aproximam, se tornam amigas. Mas os desafios que ambas tem pela frente não são fáceis. Por mais que suas mães estejam por perto, as transformações da idade, assim como as perdas que a vida impõe, irão estabelecer um contraponto ao ganho que também volta e meia aparece, como a amizade de uma para a outra. Em A Natureza das Coisas Invisíveis, a diretora e roteirista Rafaela Camelo se debruça sobre uma jornada igual a tantas outras, mas absolutamente singular à medida que investe nos meandros da individualidade de cada uma dessas meninas. Assim, consegue fazer do sentimento mais simples uma força capaz de transformar e comover, tanto entre os personagens, como também entre os que estão na audiência.

Simone (Camila Márdila, que aqui é tanto a filha – ou neta – como a mãe, partindo da personagem que a revelou em Que Horas Ela Volta?, 2015, e indo além, confirmando maturidade e evolução) está deitada no sofá da sala, cansada, de olhos fechados, pegando um fôlego para lidar com tudo aquilo ao seu redor. Um barulho, no entanto, a tira do transe auto imposto. Agora atenta, olha ao redor, mas nada vê. Se espicha, levantando-se um tanto enviesada. É quando percebe, no pátio no outro lado da janela que permaneceu aberta, a presença de Francisca, a avó que até há pouco estava entrevada na cama. A senhora está desperta, preocupada com suas plantas, que necessitam de cuidados, de água, de carinho. Simone não consegue evitar uma ou outra lágrima ao presenciar a cena. É como se não houvesse doença, sofrimento, despedida. Pergunta o que está acontecendo. A mulher de pé dá a volta, entra em casa, senta-se ao lado da neta, que para ela, naquele momento, é só mais uma pessoa qualquer. Não a reconhece, mas também não a destrata. A mais jovem se emociona, pois aquele momento é uma ilha em meio ao caos. A mais velha pergunta o que está acontecendo, completamente alheia da sua própria condição.

20250902 a natureza das coisas invisiveis papo de cinema e1756864783625

Essa sequência, que surge sem aviso ou preparo, é sinal consistente da força narrativa de Rafaela Camelo. A escolha por Márdila em uma participação que, se não chega a ser protagonista, ao menos tem peso para liderar as demais, é mais do que acertada. Por outro lado, Aline Marta Maia dá um show em uma atuação tão natural, quanto ciente de cada espaço que vai aos poucos ocupando. Depois das impactantes performances que ofereceu em Carvão (2022) e em Pedágio (2023) – ambos dirigidos por Carolina Markowicz – ela agora confirma um talento que vai além de uma parceria acertada. O mínimo que empresta ao conjunto é capaz de alterar rumos e mobilizar torcidas. É ela a avó prestes a partir, mas que enquanto viva, não se cansa em surpreender. Tanto pelo que demonstra por meio do exemplo, como também pelo inesperado que ainda é capaz de despertar. A neta sabe disso. A bisneta, porém, tem ciência desse dom em uma outra camada. Não na superfície. É algo parte de sua formação.

Mais importante do que é dito, em A Natureza das Coisas Invisíveis o que fica é o intuído, aquilo apenas sentido, mas por vezes não expressado. A grande revelação pode ser exposta quase a esmo, em meio a uma conversa até mesmo banal, retirando sua importância e, por isso mesmo, aproximando aqueles que se imaginavam distantes. Gloria e Sofia possuem muito a aprender, mas talvez mais ainda a ensinar. Os olhares curiosos que carregam consigo não são apenas uma característica como tantas outras, mas um guia capaz de propor histórias e alterar rumos. Em um filme no qual o sólido parece o tempo todo estar sendo atravessado pelo sentimento, pela sensação do que se foi ou pela expectativa frente ao que ainda pode acontecer, está na absoluta inocência dos desprovidos de segundas intenções a chave da permanência e da continuidade. Familiar, sensitiva, amorosa, as possibilidades são muitas e diversas. A escolha, no entanto, é um exercício individual. E respeitar esse caminho é talvez o maior dos seus achados.

Filme visto durante o 53o Festival de Cinema de Gramado, em agosto de 2025

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *