5 é o Número Perfeito

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Sinopse

Peppino é um assassino forçado a deixar de lado a aposentadoria após a execução de seu filho. Em sua busca por vingança, ele vai refletir sobre a vida e a morte.

Crítica

Quem é Peppino? O que ele quer, e o que busca no meio de uma noite cuja chuva não dá trégua? E antes de qualquer outra coisa: por quê, afinal, o cinco seria esse numeral idealizado? O que teria de tamanha perfeição em uma mão cheia, que aberta nada segura, e fechada pode lhe trazer mais dor do que recompensas? São muitas as dúvidas – e poucas as respostas – oferecidas durante os cem minutos de 5 é o Número Perfeito, longa escrito e dirigido pelo artista visual Igor Tuveri, baseado, por sua vez, numa graphic novel de sua própria autoria – em ambos os casos, aliás, assina apenas como Igort. Como se vê, é alguém preocupado com a impressão gerada nos olhos de quem o observa. E nesse aspecto, seu trabalho de estreia no cinema é de um impressionante primor, seja pela qualidade das imagens como também pela elaborada criatividade que deixa registrada em cena. Porém, assim como há esforço na forma, há um esvaziamento no conteúdo, a ponto de se aproximar perigosamente de uma descartável irrelevância.

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A história transita por elementos que se tornaram reconhecidos através do chamado cinema noir, tornado clássico pelas fortes recorrências pelas quais Hollywood muito fez uso durante os anos 1940 e 1950. Ao invés da figura do detetive amaldiçoado, porém, quem se encontra no cerne da trama é outro tipo constante, a do assassino de aluguel prestes a se aposentar, mas justo quando estava pronto a dar as costas a um estilo de vida que muito lhe exigiu, se vê trazido de volta justamente na companhia daqueles que ansiava se afastar. Peppino, tornado realidade com o esmero que já é característico nos desempenhos de Toni Servillo, é tão seguro dos seus feitos e obrigações que nem chega a discutir a responsabilidade dos seus atos. Quando junto ao filho pequeno, não consegue evitar uma discussão a respeito da serventia dos vilões das histórias em quadrinhos: sem eles, afirma, de que valeriam os heróis? Afinal, uns só existem por causa dos outros.

É assim, portanto, que vê a si mesmo: tão parte do bem, como do mal. Mas Peppino está cansado. Já não é mais aquele assassino preciso, dos serviços limpos e impecáveis. Sabe que a idade tem um preço. Mas, assim como cobra, também entrega. É por isso que reconhece que é chegado o momento de passar suas responsabilidades adiante. Quando é apresentado ao espectador, tem apenas uma missão pela frente: encontrar a arma perfeita. Aquela que somente o Corcunda poderá lhe ofertar. A que servirá como nenhuma outra como presente de aniversário ao filho, que junto com ela receberá também uma tarefa: assumir os passos deixados pelo pai. Mas como descansar, quando o jovem é eliminado no meio de uma encomenda que tinha tudo para ser banal, igual a tantas outras. Como se vê, nada é o que parece ser num primeiro momento. E no meio de tantas sombras e desilusões, caberá ao protagonista o esforço de enxergar com nitidez o que de verdade está se passando.

Quadrinhista de longa data, Igor Tuveri publicou 5 é o Número Perfeito em 2002, logo após ter fundado sua própria editora. Lançado simultaneamente em seis diferentes países, ganhou o prêmio de Livro do Ano na Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha. Por mais que já tenha escrito diversas outras histórias posteriormente, esse ainda é considerado o seu trabalho mais popular. Por isso, quando anunciado que ele próprio coordenaria a adaptação cinematográfica em live action – ou seja, com atores reais, e não em desenho animado – da sua obra, a expectativa foi enorme. Por mais que a experiência dele com o cinema até então tenha sido limitada a um documentário em curta-metragem sobre sua carreira (Igort, il paesaggio segreto, 2013) e os roteiros de dois outros longas, esta era a primeira vez que assumia o controle total de um projeto. Como resultado, se percebe um realizador preocupado com a imagem, mais do que com a escrita. E com tanto a ser dito, chega a ser inevitável a percepção que muito acabou ficando pelo caminho, sacrificado em nome de um maior impacto visual.

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Há decisões que em nada acrescentam na tela, mas servem para agradar aos fãs já consolidados da trama – como o nariz e demais composição do protagonista, por exemplo. Porém, se tais excessos podem incomodar aos recém-chegados, a segurança com a qual Servillo e seus colegas em cena – como uma inebriante Valeria Golino, confirmando que para ela a idade é não mais do que um detalhe, e um insuspeito Carlo Buccirosso (A Grande Beleza, 2013), perfeito numa figura quase invisível, mas da qual não se pode perder de vista por sequer um segundo – defendem uma história por vezes absurda, que investe mais nas reviravoltas e em improváveis surpresas do que na consistência de um argumento que mostre o que pretendem e o que estão prestes a sacrificar em nome desse resultado. Não deixa de ser, portanto, uma mera brincadeira de gente grande, disposta a enaltecer elementos um tanto desgastados, mas ainda assim eficientes, sem, por outro lado, agregar nada particularmente inovador ou original ao conjunto. 5 é o Número Perfeito pode soar como uma afirmação, mas, nesse caso, o que se confirma é que uma vez já está mais do que suficiente.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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