A História brasileira está repleta de personalidades importantes. Algumas delas tiveram atuações decisivas em episódios marcantes, ajudando a mudar o curso das coisas, como Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, mártir da Inconfidência Mineira. Ele é o protagonista de Joaquim (2017), filme de Marcelo Gomes que chega aos cinemas depois de fazer bonito no mais recente Festival de Berlim. Pegando carona nessa estreia, elegemos outros dez longas-metragens que igualmente retratam figuras de destaque da nossa história, desde os protagonistas do Brasil Império até os homens e as mulheres de fibra que sofreram na pele a violência da ditadura civil-militar. Confira nossa seleção.

 

 

 

Dom Pedro I, em Independência ou Morte (1972)
Neste épico do diretor Carlos Coimbra, Tarcísio Meira vive D. Pedro I, uma das figuras mais importantes e emblemáticas da História brasileira. Coimbra traça uma biografia bastante completa do monarca, acompanhando diferentes períodos significativos da vida de Pedro: sua chegada ao Brasil em 1808, quando o futuro imperador ainda era uma criança (Tarcísio Filho interpreta a versão mirim do personagem) e a corte portuguesa fugia das tropas de Napoleão que se espalhavam pela Europa; a transformação do garoto em Príncipe Regente pelo retorno de D. João VI (Manoel da Nóbrega) a Portugal; a Proclamação da Independência e o início do Império do Brasil; e a abdicação do trono que daria lugar a D. Pedro II. Realizado em 1972, em pleno Regime Militar, este longa chegou a ser acusado de favorecer o patriotismo incentivado pelo governo da época, já que retrata a independência do país de maneira romântica e heroica, assim como a figura central desse processo. O fato é que esta versão cinematográfica do grito às margens do Ipiranga pode até ser exagerada (e desmentida pelos historiadores de hoje), mas não passa muito longe daquilo que era ensinado em sala de aula duas ou três gerações atrás. – por Marina Paulista

Tiradentes, em Os Inconfidentes (1972)
Anos antes de Joaquim (2017), a figura de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, já havia sido retratada por outras produções do cinema nacional. A mais notória delas é esta, dirigida pelo grande Joaquim Pedro de Andrade, que utilizou como base os documentos oficiais dos Autos da Devassa, além de versos dos poetas inconfidentes Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa e Alvarenga Peixoto, e a obra O Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Com o esmero técnico habitual e uma dose lírica de ironia, Andrade utiliza o desmantelamento da Inconfidência Mineira para traçar um paralelo crítico com o governo brasileiro do período da ditadura civil-militar, focando a trama no encarceramento dos inconfidentes que, pressionados e torturados, acabam negando suas ações e entregando uns aos outros. Dentre a covardia dos supostos revolucionários, o único representado com maior dignidade é mesmo Tiradentes, vivido com pulsante vigor por José Wilker. Com seus discursos inflamados, o alferes é visto como o líder passional do levante e, mesmo que Andrade o mostre vacilante em determinados momentos e até conteste parte dos ideais insurgentes, ele mantém sua postura libertária, assumindo a culpa e terminando como o mártir solitário no sarcástico desfecho proposto pelo cineasta. – por Leonardo Ribeiro

Xica da Silva, em Xica da Silva (1976)
Ao lado da telenovela homônima exibida pela extinta TV Manchete nos anos 90, este filme dirigido por Cacá Diegues é responsável por popularizar e consolidar o mito ao redor de Francisca da Silva de Oliveira, a eterna Xica da Silva. Famosa por conquistar o rico contador de diamantes João Fernandes (Walmor Chagas) e estabelecer com ele um relacionamento que lhe trouxe liberdade e riqueza, a ex-escrava Xica (Zezé Motta) tornou-se uma figura histórica muito significativa do Brasil colonial. Diegues retrata a ascensão da alforriada e rainha do Arraial do Tijuco (em Minas Gerais) com muito bom humor, caracterizando Xica como uma jovem alegre e dona de personalidade forte, mulher que encarou o extremo preconceito da época e chocou a elite ao tomar seu lugar na alta sociedade, sem medo de exibir belas roupas e joias exuberantes e de organizar festas extravagantes. Com uma competente performance de Zezé Motta, este longa consegue ser divertido e didático ao mesmo tempo, além de uma obra obrigatória para quem deseja saber mais sobre a vida e as lutas dessa figura tão marcante da história do Brasil. –  por Marina Paulista

João Goulart, em Jango (1984)
João Goulart é um personagem extremamente cinematográfico. Ministro do Trabalho no conturbado segundo governo de Getúlio Vargas, vice-presidente da República durante os mandatos de Juscelino Kubitscheck e Jânio Quadros, Goulart assumiu o comando do país após a inesperada renúncia desse último – como Quadros, não conseguiu chegar ao fim de seu próprio governo, ao ser derrubado por um golpe de Estado em 1964, que instalou no país uma brutal ditadura civil-militar. Neste emblemático documentário de Silvio Tendler, Goulart, o Jango, surge tanto em sua faceta individual trágica (é, até hoje, o único presidente brasileiro que morreu exilado, morte que ainda carrega certas suspeitas no que tange à sua naturalidade) quanto no peso político que sua queda teve para o país, sobretudo para partidos e movimentos de esquerda que depositavam no governo expectativas de transformação. Mesclando depoimentos de importantes personagens da época e imagens de arquivo, Tendler construiu um filme que, lançado em meio à campanha pelo retorno das eleições diretas para presidente, se tornou símbolo dessa luta, obtendo inclusive considerável sucesso de bilheteria, algo não muito comum no gênero. – por Wallace Andrioli

Carlos Lamarca, em Lamarca (1994)
Das muitas cinebiografias históricas dirigidas por Sergio Rezende, esta é provavelmente uma das melhores. Feita ainda na primeira metade da década de 1990, momento em que o cinema brasileiro começava a se reerguer após os efeitos desastrosos do governo Collor, ela aborda a figura de Carlos Lamarca, capitão do exército brasileiro que, em plena ditadura civil-militar, desertou e se engajou na guerrilha contra o regime. Interpretado com bastante competência por Paulo Betti – que voltaria ao papel numa breve aparição em outro filme de Rezende, Zuzu Angel (2006) –, Lamarca surge aqui numa leitura bastante mitificada, que busca pintá-lo como mártir quase santificado da luta contra a ditadura. Nos momentos finais, inclusive, o personagem é explicitamente aproximado da imagem de Cristo. Descontado o maniqueísmo que inevitavelmente desemboca em certo simplismo, o filme é muito eficiente como thriller político e como drama de um homem entre dois mundos, divisão que se manifesta inclusive no campo afetivo, a partir de seu envolvimento com a guerrilheira interpretada por Carla Camurati. – por Wallace Andrioli

Carlota Joaquina, em Carlota Joaquina: Princesa do Brazil (1995)
A infanta espanhola que traía o marido português com vários amantes e nutria pavor do Brasil teve um retrato mais que bem humorado neste que é considerado o marco da Retomada do cinema brasileiro. Primeiro longa-metragem dirigido por Carla Camurati, é uma comédia escrachada sobre o tempo em que a chamada Princesa do Brasil esteve em terras tupiniquins. E como ela detestava mesmo estar aqui. De tudo ela reclamava. Do calor tropical ao povo que ela chamava de fedido. Na hora de ir embora de vez, chegou a bater os sapatos porque não queria levar a areia, tampouco o pó do país. A produção de baixo orçamento recriou Portugal nos lençóis maranhenses, além de exibir um escasso elenco de apoio e figurantes. Os planos fechados dão a ideia de haver muito mais gente do que parece. Marco Nanini cria uma versão genial de Dom João VI, rei e marido banana, principal alvo dos esculachos de Carlota. Marieta Severo incorpora com gosto o papel-título e utiliza os exageros e absurdos odiosos da princesa a favor de uma anti-heroína carismática. Longe de ser uma biografia que segue à risca os fatos históricos, é diversão acima da média, feita com muito talento e, acima de tudo, paixão pelo cinema. – por Matheus Bonez

Barão de Mauá, em Mauá: O Imperador e o Rei (1999)
A história do Brasil é pontuada por diversos empreendedores visionários, nem sempre reconhecidos como merecem, mas tão dignos de nota quanto os estadunidenses Steve Jobs e John Davison Rockefeller. Mauá (aqui vivido com energia por Paulo Betti) foi um deles. Sua relação com D. Pedro II (Rodrigo Penna) é essencial, para o bem ou para o mal, para incentivar o investidor de origem pobre a concentrar seus esforços na expansão econômica do país – cuja receita interna era inferior à fortuna do empresário. O longa em questão acompanha essa figura notável desde sua infância e juventude na pobreza, quando se chamava apenas Irineu Evangelista de Sousa, até a aquisição do título de Visconde de Mauá. A partir daí, enfoca o seu declínio pessoal e financeiro. Mauá construiu uma estrada de ferro, proporcionou inúmeras inovações na área da metalurgia e também custeou sozinho para o governo o primeiro cabeamento intercontinental do Brasil. Embora tenha morrido na pobreza, seus feitos, muitos em desafio à coroa e à maçonaria que tinha grande influência no palácio, perpetuaram-se até os dias de hoje, fazendo relevante este apanhado dirigido com segurança por Sergio Rezende. – por Yuri Correa

Olga Benário Prestes, em Olga (2004)
O filme dirigido por Jayme Monjardim conta (ou deveria contar) a fantástica história da alemã Olga Benário Prestes, militante comunista, perseguida em seu país, que fugiu com seu companheiro Otto Braun para Moscou. Na União Soviética, ela recebeu treinamento político-militar, se separou de Braun e foi enviada ao Brasil para acompanhar Luís Carlos Prestes na primeira revolução comunista da América do Sul. O longa não aborda sua trajetória com os detalhes e da forma como deveria, deixando muito a desejar em relação ao fenomenal livro de Fernando Morais que o inspira. O roteiro da obra foca demais no romance de Olga (Camila Morgado) e Luís Carlos Prestes (Caco Ciocler), pondo o aspecto histórico em segundo plano. O filme, infelizmente, poderia ser muito mais do que foi. Não à toa, apesar de ser um grande sucesso de bilheteria, não teve boa recepção da crítica, sendo avaliado negativamente por boa parte da imprensa brasileira e, principalmente, da alemã. No entanto, a película também tem seus pontos positivos. O espectador vai conhecer um pouco de Olga e certamente se interessar em saber mais. Além disso, tecnicamente, a produção é excelente, principalmente a direção de arte e o figurino que são um espetáculo. – por Gabriel Pazini

Zuzu Angel, em Zuzu Angel (2006)
É impossível pensar a moda e a independência feminina no Brasil sem lembrar de uma das estilistas mais inovadoras do país, conhecida por misturar o luxo das rendas e tafetás com elementos do nosso folclore. Apesar do trabalho criativo que desenvolveu ao longo das décadas de 50 e 60, seu nome costuma ser mais lembrado por conta da batalha em busca do corpo de seu filho Stuart, morto pela ditadura civil-militar. E esse é o mote principal do filme dirigido por Sérgio Rezende e protagonizado por Patrícia Pillar (uma interpretação intensa). O roteiro tem como ponto de partida a personagem no auge do sucesso que teve que dividir sua carreira com a jornada por respostas e justiça ao filho. De cidadã avessa aos assuntos políticos, Zuzu Angel passou a um dos símbolos das atrocidades promovidas pela ditadura, que culminou com sua morte num acidente de carro engendrado pelo comando militar. O drama familiar eclipsou um pouco seu potencial artístico, porém fez com que ela se aproximasse de importantes artistas da época, como Chico Buarque, que compôs a canção “Angélica” em sua homenagem. – por Bianca Zasso

Getulio Vargas, em Getulio (2014)
Figura polêmica, tendo sido responsável por um golpe de Estado que o deixou no poder por 15 anos, retornando à presidência pelo voto popular cinco anos depois, Getúlio Vargas é, sem sombra de dúvidas, merecedor de uma cinebiografia robusta. João Jardim, no entanto, preferiu um recorte menor para a trajetória do presidente, que saiu da vida para entrar para a história. No papel central, Tony Ramos interpreta Getúlio em seus últimos dias. Cansado, amargurado, coagido pelos rivais. Pressionado por uma crise política sem precedentes, tendo sido acusado do atentado à vida de Carlos Lacerda (Alexandre Borges), Getúlio decide tirar a própria vida. Jardim é inteligente ao não tentar abraçar mais que poderia, construindo um longa-metragem contido, conseguindo abarcar o sumo daquele episódio que ele pretendia contar. Tony Ramos, embora não fosse uma escolha óbvia para o papel, sobressai como o político, se transformando não apenas fisicamente, mas adotando o padrão de voz do retratado e sua maneira de se movimentar. Por sua performance, Tony Ramos levou o prêmio do Grande Cinema Brasileiro, como Melhor Ator, e ainda foi indicado ao Guarani, na mesma categoria. – por Rodrigo de Oliveira

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar

avatar

Últimos artigos de (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *